Samba Rock,resistência que se tornou Patrimônio Cultural em São Paulo 

A cultura samba rock festeja o reconhecimento da manifestação como Patrimônio Cultural Imaterial da cidade de São Paulo assegurado nesta sexta-feira (11) em decisão unânime do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo (Conpresp). O samba rock expressa na música e na dança a resistência paulista da cultura negra nacional que sobrevive ao preconceito e à exclusão.

Por Railídia Carvalho  

Samba rock patrimonio cultural imaterial conpresp - Reprodução do facebook Sambarock Patrimônio Histórico Imaterial de São Paulo

Nos bastidores do processo de reconhecimento atuaram músicos, DJs, professores de dança, dançarinos, produtores, pesquisadores e coletivos, que tiveram o apoio da Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial de São Paulo (SMPIR-SP). 

No início da tarde desta sexta-feira, o grupo que esteve na audiência do Conpresp visitou a redação do Portal Vermelho. A comitiva trouxe junto o samba rock em pessoa, ou melhor, em pessoas: estiveram presentes na redação Osvaldo Pereira “Orquestra Invisível”, considerado o primeiro DJ do Brasil; Nereu, músico do Trio Mocotó e o guitarrista do Clube do Balanço, militante do swing, Marco Mattoli.
Mattoli como um mestre de cerimônia e com profundo respeito apresentou Osvaldo e Nereu à reportagem. Eles, entusiasmados pelo título do Conpresp, relembraram as raízes do samba rock. O pandeirista Nereu contou dos primeiros shows com Jorge Ben (hoje Jorge Ben Jor) e da formação do trio Mocotó – e de certa sonoridade pré-samba rock – no bar Jogral em São Paulo, no fim dos anos 60.
Dez anos antes, Osvaldo construía o próprio equipamento de som e passou a animar festas familiares na periferia de São Paulo. As famílias de negros que não podiam pagar para ir aos bailes com orquestras, famosos no final dos anos 50, dançavam ao som da discotecagem de Osvaldo.
Contra a exclusão
“O samba rock surge de maneira espontânea como manifestação cultural da população negra nas periferias da cidade de São Paulo no começo da década de 60. Como em várias culturas afro descentes do mundo, o samba rock nasce da exclusão, desta possibilidade de inserção social”, contou Mattoli durante a apresentação da justificativa para o Conpresp.
 
E foi nos bailes que surgiu a dança peculiar do samba rock, inspirada em coreografias de danças afro-americanas como samba, salsa e swing americano. Anos depois o encontro entre Jorge Ben e o Trio Mocotó faz surgir uma sonoridade específica para a manifestação.
Estavam criadas as raízes do samba rock com um legado de transmissão de conhecimento entre as famílias, referência musical e de dança e uma metodologia própria de promoção e incentivo ao consumo dessa cultura. 
Políticas Públicas
“Apesar de raramente aparecer na grande mídia, esses bailes mobilizam milhares de paulistanos todos os fins de semana há 50 anos”, informou Mattoli. Para ele, o reconhecimento “é o primeiro passo para fortalecer esta cultura através de políticas públicas”.
 
Para o secretário da SMPIR, Maurício Pestana, a vitória do samba rock em São Paulo pode inspirar ações relacionadas à valorização das expressões culturais negras em todo o Brasil. “É uma cultura genuinamente paulistana mas que está em todo o Brasil. E todo o Brasil sabe que é paulistano”, lembrou.
Segundo ele, o reconhecimento foi recorde e simbólico. “Esses departamentos são conservadores e ligados à cultura erudita. Neste caso, o coletivo foi muito organizado e contou com a articulação da secretaria da igualdade racial. Um caso que dá certo quando há vontade política”, exemplificou Maurício.
Processo no Conselho
O coletivo que se consolidou em 2013 para requerer o reconhecimento do samba rock se inspirou nos registros obtidos pelo samba do recôncavo baiano (2004), do samba carioca (2007) e do funk carioca (2010). 

Organizaram depoimentos, reuniram artistas, fotos, equipes de bailes, familiares. Criaram uma página no facebook e um grupo de trabalho para redigir a proposta de registro.
 

Na opinião de Valéria Leão, chefe de gabinete da SMPIR o coletivo realizou um “baita trabalho” de embasamento. “Mostra que buscar o reconhecimento não está tão distante assim se houver uma boa organização e articulação com uma instituição. No caso, a SMPIR ajudou a pautar com mais agilidade o assunto”, ressaltou.

O samba rock se fortalece

A entrevista no Vermelho foi um encontro de gerações do samba rock. “Glamour. As donas muito bem vestidas. Não entrava no baile sem gravata”, relembrou Osvaldo dos bailes de samba rock de anos atrás. A elegância também é mencionada por Leonardo “Gringo” Pirrongelli, integrante do Clube do Balanço.  
 
“Prima pela elegância, nasce na família, o tio ensina a sobrinha”, observou o uruguaio Leonardo. Ele também ressaltou o caráter paulistano da manifestação. “Quando cheguei a São Paulo conheci o CTN (Centro de Tradições Nordestinas), centro de cultura mineira mas me perguntava qual a cultura de São Paulo? O samba rock é oriundo de São Paulo”, analisou.
 
Para o dançarino e editor do site sambarock.org, José Xavier, “a música é patrimônio brasileiro mas a dança é paulistana”. E a dança do samba rock é um caso à parte. Dançarinos ou não, paulistanos, cariocas, brasileiros e estrangeiros são atraídos pelos passos. 
Ana Paula é dançarina e professora. Aprendeu na família mas quis se aprimorar. Atualmente, Ana é professora e também coordena uma iniciativa de samba rock para as mulheres em que ela introduziu alguns movimentos que incrementam o acompanhamento das mulheres.
O historiador Felipe Spadari foi aluno de samba rock e hoje é dançarino. O descendente de orientais, Jorge Yoshida é dançarino e pesquisador de samba rock. Ele é um dos primeiros, ao lado de Mattoli e Nego Junior, do samba rock na veia, a levantar a ideia do samba rock como patrimônio.

Durante a entrevista, todos citaram o nome de Tony Hits, personagem importante em promover a visibilidade e o protagonismo do samba rock mas que não pode estar presente naquela ocasião.

Inclusão e diversidade

Compondo o grupo que visitou a redação também estavam o produtor Jair Netto, a expositora Neide Sales, o professor de dança Inácio Loiola (o mosquito) e Julião Vieira, da União de Negros pela Igualdade (UNEGRO) e assessor da deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP).
“Apesar do samba rock ter nascido por conta de uma exclusão social, ele se transformou num exemplo de inclusão e democracia. Eu vejo nos bailes de hoje, aquilo que eu gostaria de ver um dia no mundo. Pessoas de etnias, idades, gêneros, religiões diferentes, convivendo, se respeitando e sabendo se divertir”, concluiu Mattoli.
A primeira comemoração pelo reconhecimento do samba rock como patrimônio cultural imaterial só poderia ser no seu próprio ritual: o baile. E será neste domingo (13), quando o Clube do Balanço se apresenta às 19h, no clube Cruz da Esperança na Casa Verde  (rua Marambaia 802), tradicional abrigo do samba rock. A casa abre a partir das 16h.