A Islândia escolhe entre Piratas ou continuidade

A publicação deste artigo justifica-se para chamar a atenção para as eleições de sábado passado na Islândia. Mas há algumas anotações a fazer. Mesmo num universo de poucas centenas de milhares de eleitores as pesquisas afastaram-se significativamente da realidade.

Por Belén Domínguez Cebrián, no Diário.Info

Birgitta Jónsdóttir, dirigente do Partido Pirata da Islândia

Às previsões em que a autora se baseia correspondem resultados em vários aspectos diferentes. O Partido dos Piratas não ficou em 2º mas em 3º lugar, sendo superado pelo partido Rubro-Verde. A direção deste partido propõe a constituição de um governo de coligação das 5 forças anteriormente na oposição, agora com um conjunto de 34 deputados numa Câmara de 63.

A Islândia converteu-se, uma vez mais, em foco dos movimentos sociais antiestablishment na Europa. A pequena ilha do Atlântico Norte votou antecipadamente este sábado depois de em Abril passado o primero-ministro, Sigmundur Davíð Gunnlaugsson, se ter demitido ao ver-se envolvido na rede de sociedades offshore revelada na passada primavera conhecida como os Papeis de Panamá, — e que salpicou também mais de uma centena de personalidades de todos os âmbitos da vida pública — surgida em resultado de uma investigação de dois anos do Consorcio Internacional de Jornalistas. E os anti-sistema do partido Pirata estão na iminência de dar a volta ao tabuleiro político. Segundo as pesquisas, poderão liderar um novo Governo alternativo. E é essa a sua intenção.

“Votei desta vez nos Piratas porque quero uma mudança. Estou cansado de todo este desastre”, referiu à Reuters o desempregado Georg Jonasson, de 49 anos. As assembleias eleitorais abriram no sábado às 9 horas (4 horas de Brasília) e, embora seja um país de apenas 320 mil habitantes, os resultados oficiais não serão conhecidos até à manhã de domingo. “A contagem não é feita nas assembleias mas nas seis sedes regionais”, explica da capital Francisco Garrobo, um pirata espanhol que se deslocou a Reiquiavique para apoiar a formação. “O problema não é o mau tempo mas serem muito poucos para contar os boletins de voto”, continua.

Num país em que não existe bipartidismo — há sete forças políticas no Parlamento (Alþingi) — é mais que provável que não haja maiorias claras. Entretanto, segundo as pesquisas que antecederam as eleições, o Partido dos Independentes (o atual parceiro menor da coligação de Governo de centro-direita) seria a força mais votada com cerca de 25% dos votos, seguido não muito longe pelo Partido Pirata, liderado pela ex-activista de Wikileaks Birgitta Jonsdottir, de 49 anos, que obteria entre 20% e 22%.

Este sábado, os islandeses decidiram se querem continuar com o sistema tradicional ou se preferem dar uma viragem às suas políticas. O movimento púrpura pretende instalar a transparência absoluta, mais privacidade na rede, acabar com a corrupção e aplicar a democracia directa. Mas, quase com toda a segurança, os Piratas não poderão governar sozinhos. Não obstante, adivinha-se que germina uma aliança alternativa. A sua líder reuniu-se sexta-feira com os principais dirigentes de três partidos da oposição — os rubro-verdes, os socialistas e os centristas de Futuro Brilhante — para viabilizar o caminho no sentido de um Governo alternativo anti establishment que concentraria o apoio de 49% do eleitorado. A atual coligação de centro-direita (Progressistas e Independentes) apenas chegaria a 36% segundo a Market and Media Research (MMR).

A Islândia não faz nem quer fazer parte da UE, hoje afundada numa profunda crise de credibilidade. O país retirou em 2015 a sua enésima petição para ser o 29º parceiro do clube (o 28º se se exclui o Reino Unido). Entretanto, esta pequena ilha — com um rendimento per capita de uns 41.000 euros, segundo o Banco Mundial, e um crescimento de 4% graças à recuperação por parte do turismo — seduz de forma evidente os seus vizinhos. É um Estado que saiu da sua crise financeira que se iniciou em 2008 relativamente por si só, embora se tenha endividado com o Reino Unido — seu principal credor — em pouco mais de 4 bilhões de euros. Pioneiro em assumir um partido anti-sistema nas instituições será, provavelmente, o primeiro também em concretizar uma alternativa de Governo ao establishment que pilota o país.

Não há dúvida de que os Piratas subiram como espuma ao saberem canalizar o descontentamento de uma sociedade que julga e castiga os responsáveis pelas crises. A saber: por um lado, aos banqueiros dos principais bancos que em 2008 conduziram o país ao colapso e, por outro lado, a demissão do primeiro-ministro Sigmundur depois de ver o seu nome relacionado com os Papéis do Panamá. O aumento do apoio da sociedade aos piratas nas urnas responde, segundo reconhecem fontes diplomáticas, ao “ambiente de corrupção” que o país vive desde há anos.

Tudo pode ainda ocorrer e qualquer pacto de última hora será decisivo para a governabilidade do país. Do que não fica dúvida é da potente força com que contam os Piratas. Em 2013, uns meses apenas depois de ter nascido como força política — embora a plataforma internacional Partido Pirata (PPI) exista desde 2010 —, a formação púrpura obteve 5,1% dos votos, que se traduziram em três dos 63 lugares que a Câmara tem. Hoje, as pesquisas atribuem-lhe quinze. Para entrar na câmara islandesa os partidos devem superar um limiar de voto de 5%. Em países como Espanha, essa linha limite é de 3%.