Guadalupe Carniel: Ni una menos

Na semana em que não apenas a Praça de Maio foi tomada por mulheres argentinas, assim como outras cidades após o crime brutal contra a adolescente Lucía Perez, outra cena nos choca também, mas dentro de campo: a agressão a uma bandeirinha na Argentina.

Por Guadalupe Carniel*

Maria Eugenia Rocco

Em partida válida pelo Ascenso, a bandeirinha Maria Eugenia Rocco, foi agredida fisicamente pelo volante Emmanuel Frances do Deportivo Merlo, que jogava contra o Argentino de Quilmes que venceu a peleja por 2 a 0.

Após a partida, os jogadores do Merlo reclamaram que o primeiro gol foi irregular, feito com a mão. No meio da confusão, Emmanuel golpeou a nuca da bandeirinha e saiu correndo. Mesmo com as imagens, o jogador não assume a responsabilidade. Disse que "jamais faria isso", "ainda mais contra uma mulher". Maria Eugenia já entrou em contato com a AFA e vai recorrer à justiça. O jogador se defende dizendo que ela mentiu e que recorrerá. Além das imagens, o árbitro Jorge Broggi viu e já disse que vai testemunhar a favor da bandeirinha.

Seria cômico se não fosse trágico: não é fácil ser mulher, ainda mais no futebol, ainda mais na Argentina. Ser torcedora está começando a ser algo mais “normal” (não que antes não fosse, mas éramos consideradas ou maria-chuteiras ou que estávamos acompanhando os namorados).

Como jogadoras então, é ridícula a forma como somos tratadas, ainda soa como algo distante, uma aberração. Na Argentina, por exemplo só para manter o foco no país e nas duas notícias, o campeonato é absurdamente amador.

As jogadoras de equipes grandes como River e Boca mal ganham para comer, imagine então nos times considerados pequenas. Ganham uniforme e chuteiras dos clubes, até porque se tivessem que comprar não teriam dinheiro suficiente. Raramente ganham bonificações, exceto no caso de serem campeãs. Mas a falta de estrutura (só grandes clubes têm) contribui para o péssimo preparo e rendimento das atletas em competições internacionais, por exemplo.

E se no Brasil, reclamamos que o torneio é mal organizado, tem calendários ridículos, a escolha das equipes é estranha, como equipes que se classificam de acordo com o ranking das equipes masculinas na CBF, na Argentina tem como ficar pior. O campeonato nacional é formado por 10 equipes e tem como dominantes River e Boca, com 10 e 23 títulos respectivamente. Fora esses, apenas San Lorenzo e UAI Urquiza venceram títulos com 2 e 3, mostrando o abismo que separam os dois considerados más grandes do restante do país.

Após o crime contra a adolescente, vi muitas manifestações em redes sociais de clubes participando da campanha Ni uma más, como o Racing e o Almagro. Mas ao ver sobre a agressão contra a bandeirinha vi muita gente falando que era apenas coisa do jogo e que ela estava se aproveitando do fato de ser mulher.

Achei absurdo. São crimes e merecem e devem ser punidos. Porque é assim que começa a violência. Em cada olhar de desconfiança e comentário maldoso por ser uma mulher que está indo para a cancha sozinha ver o jogo, em cada vez que algum tenta podar uma garota de cantar na torcida ou puxar algum canto. Em cada comentário sobre uma bandeirinha que mesmo todos vendo a agressão acham que ela deve ficar calada por ser algo normal. Em cada campeonato que é tratado como amador e nem é televisionado ou nem tem cobertura ou atenção da mídia. Já passou da hora de todos reverem seus conceitos. Dentro e fora de campo.