A "sangria da Lava Jato" será só Eduardo Cunha?

A prisão de Eduardo Cunha (PNDB-RJ) nesta quarta-feira (19) continua a produzir um roteiro de cenas bizarras. Nesta quinta (20), como determina a lei, o deputado cassado fez exame de corpo de delito no Instituto Médico-Legal (IML), em Curitiba. O procedimento é padrão foi desta fez marcado pela presença de jornalistas, desta vez devidamente posicionados para ter o melhor ângulo de imagem.

Cunha exame no IML - Foto: Giuliano Gomes/PRPress

Diferentemente de sua prisão em Brasília, nesta quarta-feira, Cunha chegou ao IML em um carro da Polícia Federal e, além do cerco de jornalistas e fotógrafos, ele contou com a proteção de policiais federais, desta vez encapuzados.

Na quarta, durante a prisão, os policiais não escondiam o rosto e um deles identificado como Lucas Valença, ganhou vários apelidos e uma fama repentina. Seu perfil nas redes sociais recebeu várias visitas de e também ganhou o apelido de "hipster da federal". Entre os seus posts nas redes, um dizia que a vitória de Dilma Rousseff nas eleições de 2014 foi por conta de uma suposta manipulação das urnas eletrônicas.

Há também o movimento da canonização Sérgio Moro, juiz responsável pela Lava Jato em primeira instância. O discurso de que Moro não é seletivo se repete em todos os veículos como medida de isentar os abusos cometidos pela Lava Jato e desqualificar a defesa daqueles que até agora são acusados por convicções, e não provas.

Voltando a falar sobre Cunha, o exame durou aproximadamente 20 minutos e o ex-deputado voltou a ser cercado na saída do prédio. Segundo a polícia, ainda não há previsão para que ele preste depoimento aos delegados da PF. Cunha fica sozinho em uma das celas e sem contato com os demais presos da Lava Jato.

Os colunistas e comentaristas da grande mídia, que até então defendiam que a delação premiada, agora mudam o discurso. Reinaldo Azevedo, colunista de Veja, disse que não seria "um bom desfecho" a Lava Jato aceitar uma delação de Cunha, pois mergulharia o país no caos.

"Mas, afinal, Cunha fará ou não fará delação premiada? Ninguém sabe. Uma coisa é certa: a esta altura, não faz sentido lhe conceder um benefício, fazendo o país mergulhar no caos", disse.

A estratégia parece ser de criar uma tensão para o governo de Michel Temer, que não teria chegado ao poder sem a atuação de Eduardo Cunha. Mas ao mesmo tempo, não dar muito espaço para abrir o leque das investigações, mantendo a rota que foi traçada até agora: o PT.

Não há dúvidas de que Cunha sabe e ele mesmo deixou claro que tem muito a dizer. Em setembro, depois de ser cassado, Cunha anunciou que escreverá um livro sobre os bastidores do impeachment e fez questão de lembrar que pelo menos 160 parlamentares têm problemas com a Justiça. "Hoje sou eu. Amanhã pode ser vocês", ameaçou.

Nos últimos dias, talvez por saber da sua eminente prisão, disparou contra alguns aliados, como o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha; o secretário de Governo, Geddel Vieira Lima, e o secretário do programa de associações para investimentos, Moreira Franco, seu principal desafeto. Ou seja, se Cunha decidir abrir a boca seus primeiros alvos estão núcleo do governo.

Até agora, Temer e o PMDB pouco falaram sobre a prisão. Um silêncio que alguns atribuem ao medo diante da possibilidade de vingança de Cunha.

"O governo tem zero preocupação ante uma eventual delação. Não interfere no caso Lava Jato e a prisão de Cunha é uma ação da Justiça, um poder independente", declarou o secretário de Comunicação Social, Márcio Freitas. A estratégia será essas: mostrar que o governo não interfere no andamento da Lava Jato, apesar das gravações feitas pelo operador do PMDB, Sérgio Machado, com o atual presidente da legenda, o senador Romero Jucá (RR) demonstrarem que o golpe foi para "estacar a sangria" das investigações. Será que só Cunha vai sangrar?

Em Tóquio, onde estava em visita oficial, Temer tentou diminuir a tensão, afirmando que "por ora, são apenas alegações" e que se, um dia, adquirirem consistência, "o governo verá o que fazer". "Mas se, cada vez que se menciona o nome de alguém [na Lava Jato], isso dificultar a ação do governo, haverá dificuldades", admitiu.

Preso em Brasília, no apartamento funcional da Câmara que já deveria ter sido desocupado, Cunha teria dito a amigos que estava disposto a entregar todos os "traidores" que teriam participado de alguma forma dos esquemas de corrupção e desvios em contratos na Petrobras que são investigados pela Operação Lava Jato e que o abandonaram por ocasião da votação pela perda do seu mandato. Esses "amigos" dizem que ele estava organizando uma lista que inclui políticos e empresários.

De especulações e fumaça, o governo Temer chegou ao poder e nada até agora dá garantias de que Cunha vá delatar e até que ponto essas delações serão revelações dos crimes aos quais é acusado ou a continuação desse estratagema político do golpe.

No jargão popular, Cunha é uma raposa experiente que sabe manobrar de acordo com os seus interesses. Muitos políticos o acusavam de chantagista e, mesmo fragilizado pela prisão, não demosntra que será menos meticuloso.

Vale lembrar o discurso que fazia logo após a sua eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, quando o assunto era aceitar o pedido de impeachment, e o resultado após não ter obtido os votos que precisava no Conselho de Ética. É bom ressaltar que Cunah não era aliado de Dilma, pelo contrário, sempre atuou na oposição ainda que camuflada pelo discuso oficial.

Chegou a dizer em entrevista que considerava um erro de estratégia política ter rompido oficialmente com o governo da presidenta Dilma, escancarando que preferiria ter feito o jogo duplo, atuando nos bastidores contra o governo, como já vinha fazendo.

Já em relação a Temer a aliança é antiga. Em vídeo divulgado nas redes sociais, Temer elogia as qualidades e assegura que Cunha passa pelo seu "crivo". "Eu tenho com Eduardo Cunha um auxilio extraordinário na Câmara". Segundo Temer, "as tarefas difíceis", ele entrega "à fé de Eduardo Cunha". Será que Cunha vão arcar com as consequências dessa tarefa difícil sozinho?

Por outro lado, segundo fontes da imprensa, procuradores da Lava Jato afirmam que uma delação de Cunha exigiria um farto conjunto probatório. Em dois anos de investigações, poucas delações apresentaram provas e os procuradores aceitavam afirmações como "ouvi dizer" ou "acredito que" e formulavam a denúncia com base nas convicções. Agora, com a prisão de Cunha podendo atingir a cúpula do governo Temer, precisam de provas substanciais?!

Muita água passará debaixo da ponte.