Mulheres argentinas fazem greve geral contra violência de gênero

Um crime brutal chocou a Argentina esta semana. Lucía tinha 16 anos, foi estuprada e, segundo o laudo médico, morreu devido à “dor excessiva” ao ser empalada. Lucia morreu de dor em Mar del Plata no mesmo domingo (8) que milhares de mulheres ocupavam as ruas de Santa Fé para gritar contra a violência de gênero. Nesta quarta-feira (19), as argentinas prometem parar o país durante uma hora – entre 14h e 15h do horário de Brasília – para exigir o fim da violência de gênero.

Por Mariana Serafini

Lucía Pérez - Telám

A morte de Lucía causou comoção nacional devido à brutalidade dos algozes. Mas não é um caso isolado, de lá pra cá pelo menos outros três crimes de feminicídio foram registrados no país. As mulheres que paralisarão suas atividades por uma hora hoje o farão para exigir o direito de ser livre, estar viva e não sentir medo.

A paralisação nacional foi convocada pelo coletivo Ni Una Menos (Nem uma a menos em português) como medida de resistência coletiva. “Nem grupo vulnerável nem vítimas, nós mulheres somos metade da sociedade e de sua força produtiva. Por isso, em épocas de demissões e feminização da pobreza, de repressão política e criminalização das decisões pessoais, a violência estrutural sobre as mulheres se torna insuportável. As demandas do movimento feminista se convertem em urgentes e se agitam, de forma potente, nas praças e ruas”, diz o comunicado.

Manifestação realizada no último sábado (15) 

A convocatória diz que durante uma hora as mulheres, lésbicas, trans e travestis vão parar todas as suas atividades em seus trabalhos, locais de estudo e lares para sair às ruas e fazer barulho com o objetivo de mostrar à sociedade que a violência de gênero não será mais sofria em silêncio. A expectativa é que a greve seja aderida em pelo menos 50 municípios.

Mais tarde, por volta das 18 horas (horário de Brasília) uma nova manifestação deve ocupar as ruas de todo o país. Na capital, Buenos Aires, as mulheres marcharão do Obelisco até a Praça de Maio, palco de resistência desde a ditadura militar, quando as Mães e Avós da Praça de Maio lutaram contra os militares em busca de seus filhos e netos desaparecidos.

Lucia. Ni Uma Menos

A ex-presidenta da Argentina, Cristina Kirchner publicou um artigo em seu site oficial onde fala sobre a violência de gênero em todos as esferas da sociedade. “Conheço o preço de ser mulher. Esse que facilita o insulto, naturaliza a agressão e confunde a mente dos que não nos toleram por nossas vozes, por nossas formar. Conheço os que nos querem em casa, caladas, esperando cautelosas por suas decisões”.

Lucía tinha 16 anos 


“Lucía tinha 16 anos. Os anos que minha filha teve a sorte de poder cumprir. A idade que desejo que minhas duas netas possam atravessar. Digo sorte, e me encantaria não precisar dizê-lo. Desejaria crer que a sorte é algo que se deixa às rifas o algum outro sorteio. Mas hoje ser mulher e sobreviver a determinadas circunstâncias se transforma em um caso de sorte”, disse a ex-presidenta.
Em outro trecho, Cristina fala sobre os meios de comunicação hegemônicos que questionaram a manifestação das mulheres em Santa Fé ao mesmo tempo que Lucía dava seu últimos suspiro. “É difícil que não doa o corpo quando há silêncio por parte das corporações e de setores políticos frente às políticas que esvaziam nosso povo, e de golpe, nós, por nossa condição de gênero somos o eixo a ser atacado”.

Por fim, a ex-presidenta diz que seu coração estará na marcha com cada uma das mulheres, “em cada grito que reclama por nossa igualdade política e social. Por estas mulheres como Milagro Sala que deu nome e direitos aos que não eram vistos como ninguém. Por estas mulheres como Hebe, Taty e Estela que frente aos fuzis empunhados pelo Estado na ditadura, gritavam pela aparição com vida de seus filhos desaparecidos. Quero, como todas vocês, companheiras, as mulheres de minha pátria, vivas!”.

Convocação autônoma

Frente à inércia do movimento sindical que, diante da movimentação de mulheres sugeriu que os trabalhadores usassem uma faixa preta no uniforme para simbolizar o luto por Lucía, as funcionárias do metrô anunciaram que farão uma paralisação autônoma ao mesmo tempo que os demais setores nesta quarta-feira (19).

Violência de Gênero na Argentina

Desde o assassinato de Lucía Pérez, no último domingo (8), pelo menos outras três mulheres foram assassinadas na Argentina. Silvia Filomena Ruiz, de 55 anos, foi esfaqueada por seu ex-cônjuge em Florencio Varela, na província de Buenos Aires. Marilyn Méndez, de 28 e grávida de três meses, foi morta do mesmo modo também por seu ex-cônjuge na província de Santiago del Estero (Norte).

Vanesa Débora Moreno, de 38, foi apunhalada também no último domingo em Lanús, na grande Buenos Aires. A Justiça investiga a morte de Milagros Barazutti, de 15, encontrada morta no fim de semana num descampado de Mendoza, no oeste do país, sem sinais de violência.

A Corte Suprema de Justiça da Argentina registrou 235 feminicídios em 2015, numa média de um crime a cada 36 horas. Um ano antes, a cifra foi de 225 feminicídios. O movimento Ni Uma A Menos já fez uma série de manifestações no país em repúdio à violência de gênero.

Crime contra Lucía

Até o momento a justiça prendeu três suspeitos de serem os responsáveis pelo assassinato de Lucía: Matías Farías de 23 anos, Juan Pablo Offidani de 41 e Alejandro Alberto Masiel, de 61, acusado de tentar acobertar o crime.

A promotora do caso, María Isabel Sánchez, disse jamais ter visto “uma conjunção de fatos tão aberrantes”. As investigações apontam que, no dia do crime, Lucía entrou em contato com Matías que até o momento é identificado como traficante e desde então não foi mais vista com vida.

Segundo as informações da promotora, a jovem consumiu uma grande quantidade de drogas e “foi estuprada por via vaginal e anal, não só com o pênis do homem que cometeu o ato, mas também com a utilização de um objeto não pontiagudo, como um bastão.” Sua morte foi provocada por um “reflexo vagal” como consequência do violento abuso com um desses objetos.