Paulo Pimenta: o golpe como reação da elite ao combate à corrupção 

Qualquer pessoa razoavelmente informada, do mundo político e da imprensa brasileira, sabe que esse esquema dos chamados “cartéis” de grandes empresas para obtenção de contratos de obras públicas no Brasil é uma herança do período ditatorial. Na realidade, foi na construção de Brasília que boa parte das grandes empreiteiras “aprendeu” que boas relações com políticos influentes rendem “bons contratos”.

Paulo Pimenta: o golpe como reação da elite ao combate à corrupção

Durante a ditadura, obras como a ponte Rio/Niterói, Itaipu, Transamazônica, entre outras, mantiveram a mesma lógica, com um novo ingrediente: além dos políticos era preciso também ser amigo dos generais.

Com a Constituição de 1988 e a obrigatoriedade de licitações e concursos públicos para preenchimento dos cargos, era preciso construir uma nova “metodologia” para que as coisas continuassem iguais. Para tanto, era preciso controlar licitações, eleger parceiros, ter influência nos Tribunais de Contas, no Judiciário e na imprensa.

Os grandes empreiteiros, durante anos, foram íntimos do poder. Com as velhas amizades com políticos e militares, e protegidos pela imprensa, tinham livre acesso aos palácios e colunas sociais. Estabeleceram fortes parcerias com os bancos públicos e privados, com os fundos de pensões e “descobriam” juntos o universo da Privataria das privatizações de obras e serviços públicos. Através de leis de incentivo à cultura e ao esporte, muitos tornaram-se verdadeiros mecenas dos tempos modernos, paparicados pelos bajuladores de plantão sempre prontos para um elogio bem remunerado.

A chegada do PT ao governo federal foi um fato novo não previsto. Os esquemas de “rodízios” entre as “Grandes Irmãs” envolviam também governos estaduais e prefeituras, mas sem dúvidas não funcionaria da mesma maneira sem o governo federal. Em que pese a forte influência na burocracia do Estado, nos TCUs e no Judiciário, era um “novo problema” a ser resolvido.

A lógica perversa da legislação política brasileira ajudou muito. A chamada necessária “governabilidade” trouxe de volta ao governo os velhos amigos, parceiros e aliados. Em boa parte dos ministérios e estatais foi possível manter pessoas que “sabem como funciona o jogo da política no Brasil”. Mas e o PT, como resolver?

Em um momento de crescimento efetivo da atividade econômica, com o PAC, com crédito farto e com os fundos de pensões já integrados no arranjo, não faltariam obras para todos trabalharem e ganharem muito dinheiro. Os bancos, a mídia e as empreiteiras viveram um verdadeiro alinhamento dos “planetas”.

Os novos modelos de campanha eleitorais empresariais no Brasil, com altíssimos custos de produção, com marqueteiros resgatados a peso de ouro no mercado publicitário e programas de televisão de padrão global fizeram as campanhas caríssimas.

A verdade é que esse sistema, que se mantinha desde a ditadura, estava funcionando bem para os grandes empreiteiros. Mais do que isso, com margens de lucro que permitiam que através de doações legais a candidatados e partidos os velhos acordos fossem preservados.

O PT era um novo sócio a ser incorporado ao clube, e foi. Dentro da lei, é verdade, mas foi. A lógica das grandes campanhas empresariais, as alianças e as novas amizades possibilitaram que o partido também fosse contemplado com generosas contribuições dentro e fora dos períodos eleitorais. Um crime? Não. Um gravíssimo erro para quem surgiu para ser diferente, sem dúvidas.

Pessoas se utilizarem destas relações para estabelecer práticas ilegais que levaram a vantagens pessoais, enriquecimento ilícito e outros crimes. Quem cometeu crimes que responda e pague por eles. Crimes são responsabilidade de indivíduos, que devem ser apurados, dentro do devido processo legal e exemplarmente punidos.

Os responsáveis pelos erros que permitiram que o PT mergulhasse neste pântano devem responder politicamente por isso. Isso é um imperativo moral e político inadiável.

O PT não criou tudo isso. A tentativa de responsabilizar o PT por esse esquema perverso de décadas nas relações entre o público e privado é injusto e absurdo. Pelo contrário, foram justamente os governos petistas de Lula e Dilma que ampliaram os mecanismos de transparência, controle e investigações que permitem que hoje o MPF e a PF possam agir com liberdade, bem diferente de um passado recente, como nos tempos do PSDB com FHC.

O golpe tem entre seus objetivos proteger parte destes esquemas de poder abalados. Não permitir que tentáculos importantes sejam expostos e que a “sangria” pare imediatamente, como afirmou Jucá e prometeu Temer para justificar a necessidade do impeachment. Muitos são milionários com centenas de milhões de dólares em paraísos fiscais pelo mundo afora.

A exposição das rotas e conexões que revelam as proximidades entre os esquemas de corrupção confirmariam muitas coisas que até agora não apareceram. Negócios escusos, parcerias e sociedades que os donos do poder guardam a sete chaves. Portanto, o golpe foi também uma reação da elite brasileira que sentia o combate à corrupção dos governos Lula e Dilma batendo às suas portas, desvendando paraísos secretos, por décadas escondidos.

Por fim, o fator Lula é uma possibilidade a ser afastada de qualquer forma. A forte reação que a sociedade brasileira demonstra contra as políticas do governo golpista fortalecem ainda mais sua liderança e carisma.

O Lulinha paz e amor ficou no passado. O Lula de 2018 vem para fazer o que não foi feito. Além de ampliar o consumo, ampliar a consciência. Mexer nas estruturas arcaicas que constituem o verdadeiro poder no Brasil. No voto ele é forte. Portanto, trata-se se impedir que ele concorra a qualquer custo.

Separar o joio do trigo é proteger Lula, seu legado e nosso futuro. Não repetiremos os mesmos erros. Precisamos ter a humildade para aprender com eles. Mas Lula não cometeu nenhum crime. Crime é uma parcela da burocracia do Estado, capturada por um projeto de poder, utilizar métodos e práticas ilegais para tentar sufocá-lo.

O Lula e a estrela do PT são sinônimos de esperança, de luta e de resistência. Somos semente. E quando tentam nos enterrar, brotamos mais fortes. Como toda boa lavoura precisa ser cuidada, que se limpem os inços e as ervas daninhas para que nossa semente volte a produzir bons frutos e grandes colheitas.

A democracia é o único ambiente onde as instituições são preservadas. A seletividade e a injustiça provocam reações que nos permitem afirmar que não assistiremos de camarote ao jogo sujo das velhas raposas, sempre ávidas pelo poder a qualquer custo.