Que venha Bob Dylan de lá; nós temos Cida Pedrosa de cá

No ano em que a Comissão Nobel concede o prêmio a Bob Dylan pela criação poética de sua obra, antecedida pela grande obra de Dylan Thomas, sobretudo em “Retrato do Artista quando Jovem Cão”, hino de gerações de escritores, ressalte-se, entre nós, a obra de Cida Pedrosa, destaque da literatura feminina brasileira com “Claranã” – finalista do Prêmio Oceanos, uma das láureas mais importantes de língua portuguesa.

Por Raimundo Carrero*

Cida Pedrosa - Foto: Rick Rodrigs

A relação entre ambos está no fato de que ambos falam de um mundo minoritário embora marcado pela tradição, em Bob pela presença de uma poética árida e forte, indo ao universo do blues e de alguma coisa, embora não permanente, do folk, a música verdadeiramente norte-americana, enquanto Cida procura força e rima no folheto de cordel, a nossa mais decisiva influência, além da cantoria e das violas.

É claro que o poeta norte-americano começou com as chamadas cantigas de protesto, essenciais no conturbado mundo contemporâneo e, por isso, tão necessárias, mas sem perder nunca o contato com as raízes do seu país, que é onde se encontra toda a força da criação poética, sem dúvida alguma.

O Nobel a Bob Dylan é, sem dúvida, uma homenagem à beat generation, de onde o poeta se origina, ao lado dos amigos Jack Kerouak e Allan Ginsberg, com “O Grito” e outros poemas, com On The Road, e alguma coisa mais. É também uma homenagem à contracultura, a uma geração que lutou pelos direitos civis norte-americanos, pelo fim da guerra no Vietnam e antecipou todas as conquistas dos jovens desde a década de 60 que, afinal, também é homenageada.

Homenageados estamos todos nós que naqueles tempos obscuros tocávamos em conjuntos musicais, ocupando clubes e edificações austeras, tocando rock e tentando compreender este mundo em transição. Éramos músicos à nossa maneira e, por isso mesmo, revolucionários. Estávamos num mundo dividido entre duas contradições: de um lado, as guitarras e as baterias; de outro, a guerrilha, com metralhadoras e fuzis.

Afinal, vivemos num mundo de corrupção, de guerras, de muros separatistas, de segregações, de minorias ofendidas, de força bruta, de pontos de vistas impostos, de ditaduras democráticas, de ideologias disfarçadas. Por isso este Nobel é mais do que necessário. Um alívio para as dores sufocadas. Um refrigério para as alma entristecidas.

Tudo isso faz parte da poesia de Cida Pedrosa, nossa dama elegante e erótica da poesia brasileira, lutando contra as guerras e as caretices, defensora dos direitos das mulheres e das minorias, tudo isso sem largar a tradição do que há de melhor e de mais belo na cultura nordestina. Um nome para se guardar.