Ministra do TST, Delaíde Miranda vê cenário de ataque aos direitos

O Portal Vermelho volta a destacar neste domingo (19) entrevista concedida pela Ministra do Tribunal Superior do Trabalho Delaíde Arantes em outubro de 2016 sobre a importância de se valorizar a Justiça do Trabalho. Na ocasião, Delaíde falou sobre as críticas que a instância recebe desde a sua criação. Críticas que se agravaram a ponto do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, se posicionar publicamente meste mês de março pelo fim da Justiça do Trabalho. Confira abaixo a matéria. 

Ministra Delaíde Arantes TST
A Constituição Brasileira e a Justiça do Trabalho tem quase 50 anos de diferença de idade em relação às suas origens. Atualmente, projetos no Congresso Nacional atacam a proteção social e trabalhista, colocando a Constituição e o Direito do Trabalho no mesmo barco da revisão de garantias históricas. O Portal Vermelho entrevistou a Ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Delaíde Miranda Arantes, que falou sobre o cenário iminente de retirada de direitos.

Por Railídia Carvalho

A Constituição Brasileira fez aniversário no dia 5 de outubro. Uma jovem lei de 28 anos, comparada aos 75 anos da Justiça do Trabalho completados no dia 1º de maio deste ano.

Na opinião da Ministra Delaíde, o momento é de valorizar a Justiça do Trabalho, o que significa defender a legislação para atuar dentro dos objetivos que a criaram: a proteção ao trabalho.
 

Ela lembrou que a Justiça do Trabalho sempre foi combatida pelos segmentos econômicos, que, segundo a magistrada, são os mesmos que defendem a desregulamentação da legislação trabalhista, questionada na atual conjuntura. 
“São recorrentes os ataques ao Direito do Trabalho e à Justiça do Trabalho e é exatamente o que acontece nesse momento com ataques também à democracia, ao Estado do Bem Estar Social e à proteção do Direito do Trabalho aos direitos sociais, previdenciários e trabalhistas”, declarou Delaíde.
Reforma Trabalhista
A terceirização para atividade meio e fim e a prevalência da negociação coletiva sobre as garantias previstas na Consolidação das Leis do Trabalho também foram tratadas pela Ministra. Ambos os temas devem fazer parte da reforma trabalhista que promete ser apresentada pelo governo Temer no próximo ano. Na opinião da Ministra são projetos “precarizantes”. 
 
Sobre a terceirização, 19 ministros, de um total de 27 que compõem o TST, assinaram nota técnica apontando os prejuízos da aprovação deste projeto. Delaíde foi uma das signatárias. Segundo levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) são 55 os projetos que ameaçam os direitos dos trabalhadores. 
Defesa dos direitos
“É importante que os setores organizados do mundo do trabalho, os trabalhadores, por intermédio de entidades representativas, sindicais e associativas, estejam alertas nesse momento. Os ataques não são apenas aos partidos e aos políticos atuantes na defesa da sociedade, dos trabalhadores, mas aos direitos e às formas de proteção”, disse.
 
Além dos projetos que tramitam no Congresso, a CLT tem sido alvo de campanhas que afirmam ser a legislação um entrave ao desenvolvimento do país. “Fosse verdadeira a afirmação repetida de que a CLT é negativa para o desenvolvimento econômico e a geração de emprego, existiria no País grande número de trabalhadores com elevadas condições de vida e condições financeiras bem melhores. A mobilidade social e econômica da classe trabalhadora é cada dia mais difícil”, exemplificou a Ministra.
Desregulamentação
Em decisão recente o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, decidiu em favor de uma usina pernambucana que, no acordo coletivo, substituiu o pagamento das horas extras por outros benefícios. 
 
No parecer, o Ministro relatou que “não se constata (…) que o acordo coletivo em questão tenha extrapolado os limites da razoabilidade, uma vez que, embora tenha limitado direito legalmente previsto, concedeu outras vantagens em seu lugar, por meio de manifestação de vontade válida da entidade sindical”.
Segundo Delaíde “a decisão do TST foi para que os precedentes do STF não se apliquem ao caso concreto. O recurso analisado discutiu um acordo coletivo de trabalho que dava às horas de deslocamento para o trabalho (in itinere) natureza indenizatória e não remuneratória. A decisão da maioria dos ministros do TST foi no sentido de que a natureza salarial das chamadas horas ‘in itinere’, ou horas de deslocamento, não pode ser afastada por meio de acordo coletivo de trabalho”.
 
Na opinião da Ministra, a desregulamentação e a precarização da proteção ao trabalho está associada à “ampliação da negociação coletiva para suplantar as garantias da Constituição Federal e da Consolidação das Leis do Trabalho”. 
“A proteção ao trabalho e à dignidade da pessoa humana foi constitucionalizada na Carta Magna de 1988 e é um dos pilares bases da nossa legislação e por essa razão, o setor econômico almeja e defende tanto a aprovação de uma norma de prevalência do negociado sobre o legislado”, enfatizou Delaíde.
Confira abaixo a entrevista completa com a Ministra do TST, Delaíde Miranda Arantes. As respostas foram enviadas por e-mail no dia 4 de outubro:

Portal Vermelho: Nesse ano, em que se comemora 75 anos da Justiça do Trabalho, como a ministra avalia o atual cenário em que direitos históricos incluídos na CLT são questionados pelo patronato?
 
Ministra Delaíde Arantes: Esse é um momento de reflexão, de ação e de valorização da Justiça do Trabalho, em que é importante ressaltar os dois eventos mais importantes para o mundo do trabalho, no Brasil ocorridos nos anos 40: a criação da Justiça do Trabalho, em 9 de setembro de 1941 e a promulgação da CLT, a Consolidação das Leis do Trabalho, em 1.º de maio de 1943, e em comemoração aos 75 anos da Justiça do Trabalho lembrar as palavras de Getúlio Vargas definindo em seu brilhante pronunciamento, o seu objetivo primordial: "A Justiça do Trabalho, que declaro instalada neste histórico primeiro de maio, tem essa missão. Cumpre-lhe defender de todos os perigos nossa modelar legislação social-trabalhista, aprimorá-la pela jurisprudência coerente e pela retidão e firmeza das sentenças".
 
E com esta missão, a Justiça do Trabalho é duramente criticada desde o início por setores do segmento econômico. São recorrentes os ataques ao Direito do Trabalho e à Justiça do Trabalho e é exatamente o que acontece nesse momento com ataques também à democracia, ao Estado do Bem Estar Social e à proteção do Direito do Trabalho aos direitos sociais, previdenciários e trabalhistas.
 
A regulamentação que veio com a CLT em 1943, bem como a aplicação desses direitos por meio dos julgamentos da Justiça do Trabalho, a mais eficiente entre as demais da organização judiciária brasileira, incomoda parte da classe econômica e é considerada obstáculo à livre obtenção de lucros almejada por setores do sistema capitalista brasileiro.
 
No atual cenário político ganha força a reforma trabalhista do governo Temer, que é contestada pelos representantes dos trabalhadores, em um momento de recessão, essa iniciativa não seria equivocada nos moldes em que se apresenta, quando sinaliza o negociado sobre o legislado, por exemplo? 
 
A reforma trabalhista está sendo alvo das mais acirradas discussões. E mais grave ainda, reforma para retirar e precarizar direitos dos trabalhadores, como é o caso do projeto de lei da terceirização ampla para atividade-meio e atividade-fim empresarial e o projeto da prevalência do negociado sobre o legislado. O primeiro em tramitação há mais de 15 anos e ainda não aprovado graças à resistência de setores atuantes do mundo do trabalho como o Fórum contra a Terceirização, Entidades Sindicais representativas, partidos políticos e parlamentares progressistas, ministros do TST, entidades associativas como a Anamatra, dentre outras que poderiam aqui ser mencionadas, não fosse a limitação de espaço desta entrevista. 
 
Refiro-me aos ministros do Tribunal Superior do Trabalho porque durante o curso do Projeto da Terceirização na Câmara, dezenove ministros assinaram nota técnica fundamentada sobre as consequências nocivas à aprovação ampla do projeto e no corrente ano, vinte ministros do TST assinaram manifesto em defesa do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. As razões e os fundamentos de ambos os documentos constam detalhadamente em seus textos, disponíveis na internet.
 
E vale lembrar que respondo a essa indagação feita especificamente sobre o projeto do negociado sobre o legislado, mas existem em tramitação hoje no Congresso Nacional mais de quarenta projetos, todos precarizantes com propostas de exclusão de direitos dos trabalhadores; prejudicais à erradicação do trabalho infantil; contra a erradicação do trabalho análogo ao de escravo; de flexibilização e desregulamentação de direitos trabalhistas, sociais e previdenciárias. É importante que os setores organizados do mundo do trabalho, os trabalhadores, por intermédio de entidades representativas, sindicais e associativas, estejam alertas nesse momento. Os ataques não são apenas aos partidos e aos políticos atuantes na defesa da sociedade, dos trabalhadores, mas aos direitos e às formas de proteção.
 
Há um senso comum de que a justiça do trabalho é sempre pró-trabalhador. Como a senhora vê isso e como avalia a movimentação atual de passar uma imagem de que a CLT é algo negativo para o desenvolvimento do país?
 
A afirmação de que a Justiça do Trabalho é pró-trabalhador é repetida com frequência pelo mesmo segmento defensor da desregulamentação da legislação protetiva dos direitos sociais. A razão de ser do Direito do Trabalho é a proteção ao trabalhador como parte mais frágil da relação empregado-empregador. A Justiça do Trabalho aplica o Direito do Trabalho, instrumentalizando-o e, por isso, é vista como protetora do trabalhador.
 
O Direito do Trabalho por sua natureza e função não trata os sujeitos da relação como iguais e capazes de se relacionarem nas mesmas condições como os contratantes no Direito Civil, mas reconhece a situação contratual de inferioridade do trabalhador, razão pela qual assume o caráter protetivo a favor de quem as normas devem ser interpretadas com a finalidade de reduzir através da desigualdade jurídica, a desigualdade real existente. É de sua essência a noção clássica de justiça, segundo a qual deve tratar desigualmente os desiguais.
 
A CLT como algo negativo para o desenvolvimento do País é afirmado, em regra, pelo mesmo segmento da sociedade. Não é possível conceber os direitos trabalhistas, sociais e previdenciários como óbice ao crescimento da economia brasileira. 
 
Os direitos assegurados na CLT e constitucionalizados através da Constituição de 1988 são direitos mínimos pela contraprestação de trabalho, resumindo para exemplificar, em salário mínimo, férias com abono de um terço, décimo terceiro salário, vale-transporte e fundo de garantia do tempo de serviço.
 
O salário da maioria dos trabalhadores está aquém das necessidades básicas de sobrevivência sua e sua família, embora a Constituição assegure remuneração condizente com essas necessidades. O que os estudos e as estatísticas demonstram é que existe no meio da grande massa trabalhadora assalariada brasileira um alto débito de moradias, construção de moradias populares em bairros longínquos dos centros das cidades, grande evasão escolar por falta de condições de continuar os estudos, desespero e registro de ocorrência de suicídios entre trabalhadores desempregados. 
 
Fosse verdadeira a afirmação repetida de que a CLT é negativa para o desenvolvimento econômico e a geração de emprego, existiria no País grande número de trabalhadores com elevadas condições de vida e condições financeiras bem melhores. A mobilidade social e econômica da classe trabalhadora é cada dia mais difícil.
 
Ao contrário, os dados indicam os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres e em condições mais precárias a cada dia com as dificuldades da economia, o desemprego, a redução dos postos de trabalho e a baixa remuneração.
 
É possível saber o quê exatamente na CLT atrapalha as empresas? 
 
Considero que a Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, não atrapalha as empresas. É preciso registrar que existe um grande número de empresas cumpridoras de seus deveres, excelentes empregadores e que as pequenas empresas respondem por um alto índice de oferta de empregos no Brasil. 
 
As afirmações de que a CLT atrapalha as empresas se originam do mesmo segmento que tem a pretensão em ver desregulamentados não só os direitos trabalhistas, mas os direitos sociais, previdenciários e até as garantias do cidadão como consumidor.
 
Na visão desse segmento, o ideal é um mundo do trabalho sem regras, sem Direito do Trabalho, sem Justiça do Trabalho. O melhor mesmo seria o retorno ao completo liberalismo aonde o mercado dita todas as regras, sem regulamentação alguma por parte do Estado, ou seja, sem leis reguladoras.
 
O discurso da estabilidade jurídica que tem sido corrente na grande imprensa, assim como o da modernização, beneficia a quem?
 
Esse é um discurso muito divulgado na grande imprensa. A chamada segurança jurídica é invocada por diferentes segmentos como sinônimo de estabilidade jurídica. Da mesma forma o da modernização da legislação do trabalho. E deles beneficia principalmente a classe dominante e os setores mais conservadores da sociedade. Considero importante a uniformização da jurisprudência para que as partes tenham mais segurança no acesso ao Judiciário, mas não defendo a modernização que visa excluir ou precarizar direitos. 
 
A estabilidade jurídica não pode ser vista como princípio destinado a produzir o engessamento na aplicação das normas jurídicas ou um sistema de definição de regras rígidas, formais, servindo para impedir a aplicação do direito ou da jurisprudência de forma automática. Essa forma assim tão rígida, de estabilidade jurídica, assumiria o papel do julgador concebido no sistema jurídico cedendo lugar a programas avançados de informática desenvolvidos especialmente para aplicação do Direito e da jurisprudência uniformizada.
 
Com base na sua experiência, como a senhora analisa o desrespeito à legislação trabalhista? Alguns dizem que é um bom negócio.
 
Considerando a minha experiência de trinta anos como Advogada Trabalhista e agora quase seis anos de Magistratura, posso assegurar que descumprir a legislação trabalhista não é uma boa alternativa. 
 
Não cumprir o que determina a CLT, deixando de registrar o empregado ou permitindo o trabalho em regime de horas extras sem remuneração ou qualquer outro descumprimento pode resultar em passivo trabalhista que, ao final, poderá se tornar insuportável financeiramente ao empreendimento. 
 
As empresas precisam compreender a importância da advocacia e da consultoria jurídica preventiva, visando a orientação sobre o cumprimento do que a lei determina em relação aos empregados que contrata. Esse seria um grande passo para o setor empresarial.
 
A Justiça do Trabalho sofreu cortes no orçamento, esses recursos foram repostos por outros meios? A que a senhora deve essa diminuição de verba?
 
O corte orçamentário é na verdade forma de ataque ao Direito do Trabalho e à Justiça do Trabalho. Não é um ato ou fato isolado como pode às vezes parecer. Nessa discussão vieram à tona inflamados discursos contra os trabalhadores, contra a representação sindical e de classe, em desfavor do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho, alguns dos quais demonstrando ódio e intolerância à natureza protetiva e social do Direito do Trabalho. Sou contrária ao ato de corte orçamentário da forma e pelas razões em que foi implementado. Se forem demonstradas realmente razões para a redução de gastos que não seja direcionado ao judiciário, como mecanismo de intimidação por atuação eficiente, mas que seja objeto de diálogo com cada setor ao qual se propõe a redução de gastos, sem imposição e sem o objetivo de inibir atuação.
 
O que a senhora pode comentar sobre o debate em torno de temas apreciados pelo Supremo,  que reformou decisão do TST e fez prevalecer o acordado em convenções coletivas em detrimento do que é assegurado pela CLT? 
 
Trata-se de decisão monocrática do Ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, em que ao ser proferida já havia sido publicada pauta de Sessão do Pleno, do Tribunal Superior do Trabalho, processo com o tema horas de percurso “in itinere”, mas não se tratava de hipótese idêntica àquela da decisão do Ministro do STF, conforme pode se aferir da decisão do Pleno do TST, amplamente divulgada pela imprensa.
 
No TST o relator do processo foi o Ministro Augusto Cézar de Carvalho. A decisão do TST foi para que os precedentes do STF não se apliquem ao caso concreto. O recurso analisado discutiu um acordo coletivo de trabalho que dava às horas de deslocamento para o trabalho (in itinere) natureza indenizatória e não remuneratória.
 
A decisão da maioria dos ministros do TST foi no sentido de que a natureza salarial das chamadas horas ‘in itinere’, ou horas de deslocamento, não pode ser afastada por meio de acordo coletivo de trabalho. 
 
Para o Ministro José Roberto Freire Pimenta, em sua justificativa de voto acompanhando o relator do processo “Esse princípio da prevalência do negociado sobre o legislado talvez pode ser alcançado pela via legislativa. O presidente FHC tentou e não teve sucesso. Se há instância que deve se debruçar é o Poder Legislativo. Nós, magistrados, não fomos eleitos. Não temos legitimidade para consagrar pela via judicial algo que deve ser consagrado pela via legislativa e assumirem a responsabilidade histórica dessa iniciativa”.
 
A prevalência do negociado sobre o legislado é um tema bem atual, pois tramita na Câmara Federal projeto de lei que repete as mesmas tentativas dos anos 90, com grande expectativa do setor empresarial quanto à sua aprovação.
 
A ampliação da negociação coletiva para suplantar as garantias da Constituição Federal e da Consolidação das Leis do Trabalho é a forma mais ‘eficaz’ de desregulamentação e de precarização da proteção ao trabalho que é natureza e função do Direito do Trabalho. 
A proteção ao trabalho e à dignidade da pessoa humana foi constitucionalizada na Carta Magna de 1988 e é um dos pilares bases da nossa legislação e por essa razão, o setor econômico almeja e defende tanto a aprovação de uma norma de prevalência do negociado sobre o legislado.