Investigação sobre a morte de Marighella é aberta 46 anos depois

Será a primeira vez que a equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury, símbolo da repressão na Dops, será investigada por um crime político.

Marighela

Só agora, 46 anos depois, o Ministério Público Federal (MPF) abriu uma investigação sobre a morte de Carlos Marighella, histórico líder comunista, ex-deputado pelo PCB (então Partido Comunista do Brasil), em 1946 e fundador da Ação Libertadora Nacional (ALN), em 4 de novembro de 1969. Essa é, ainda, a primeira vez que a equipe de policiais do delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), que foi o símbolo da repressão na ditadura, será investigada por um crime político.

Fleury comandou a operação que matou Marighella. Ela foi realizada por 43 homens, entre civis e militares. A decisão de apurar é do procurador da República Andrey Borges de Mendonça, que já começou a tomar depoimentos de testemunhas.

Uma das testemunhas ouvidas pelo procurador foi o jornalista do Estado José Maria Mayrink, o primeiro repórter a chegar ao local da emboscada que vitimou Marighella. Mayrink conhecia os dominicanos Yves do Amaral Lesbaupin, o Frei Ivo, e Fernando de Brito, que esperavam Marighella em um Fusca quando o Dops o encurralou. Eles haviam sido presos dias antes e obrigados a participar da cilada.

Segundo um dos policiais que participaram da ação, o investigador R.A: "Quem matou o Marighella foi o Tralli", (o investigador José Carlos Tralli, pai do jornalista César Tralli, da TV Globo). 

Para o jornalista Ivan Seixas, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, a investigação do MPF é "É fundamental investigar essa história para que se saiba o que aconteceu".

Naquele dia, contou Seixas, quatro quarteirões estavam cercados por policiais. Marighella ia se encontrar com os frades. Ele não sabia que os dois haviam sido presos. Estava desarmado e sozinho. "Houve uma execução, e o Estado é responsável por ela — afirmou Seixas.

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O MPF deve ouvir os depoimentos de Ivo e de Fernando. Também vai ouvir antigos militantes da ALN que foram torturados por Fleury em busca de informações que levassem até Marighella, como o economista Paulo de Tarso Venceslau, além de policiais e militares envolvidos. "Vão ter de fazer muita diligência em cemitério e em mesa branca", disse o investigador R.A..

Dos delegados da operação, Raul Ferreira, o Raul Pudim, Tucunduva e Fleury já estão mortos. Também morreram investigadores como Tralli e José Campos Correa Filho, o Campão. Laudos e documentos do Dops também serão analisados.

A iniciativa dos procuradores da República se baseia no argumento de que, como esses delitos foram crimes contra a humanidade, eles são imprescritíveis e insuscetíveis de graça ou anistia. Quase duas dezenas de denúncias já foram feitas pelo MPF à Justiça Federal contra agentes da ditadura. Em todas, a Justiça decidiu que as ações não podem prosperar em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que manteve a Lei de Anistia, de 1979.