Pedro Rossi: PEC da Maldade é o golpe dentro do golpe

O economista da Unicamp, Pedro Rossi, defende que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241 é “uma austeridade contratada para 20 anos”, o que irá prejudicar muito o crescimento brasileiro. Segundo ele, a nova regra fiscal acirra o conflito distributivo dentro do Orçamento e impõe um projeto de Estado mínimo ao país, que não foi referendado em um processo eleitoral. Para ele, se a medida for aprovada, “será o enterro das pretensões civilizatórias” do país – “o golpe dentro do golpe”.

Pedro Rossi

A PEC 241, apresentada pelo governo Michel Temer e em tramitação na Câmara, limita por duas décadas o crescimento dos gastos públicos à variação da inflação do anterior. Significa congelar, em termos reais, as despesas do governo nos patamares atuais, mesmo que a economia cresça, que a proporção dívida-PIB caia, que a população aumente e surjam novas demandas.

Em audiência no Senado sobre o tema, Pedro Rossi destacou que, pelas restrições contidas na PEC, o gasto público não vai contribuir para o crescimento, e isso vai exigir um esforço muito maior da demanda privada para que o país consiga crescer alguma coisa. “O que está sendo proposto é que o estado não vai contribuir para o crescimento. Zero.”, afirmou.

De acordo com ele, diferente do que diz o texto da medida, o novo regime fiscal não é anticíclico. “Essa PEC, pelo contrário, vai tirar do Estado a possibilidade de fazer frente a crises de demanda agregada”. 

O economista critica ainda o fato de o projeto não incluir uma cláusula que permita a violação das regras, sob certas condições. “Não tem uma cláusula de escape, o que é raro nos regimes fiscais no mundo inteiro. Ou seja, se acontecer mais uma crise fenomenal internacional, o que a gente vai fazer? Nada. Vai ficar amarrado numa PEC. A gente vai cortar gastos. Ou seja, do ponto de vista macroeconômico, ela tem problemas gravíssimos”, apontou.

Na sua avaliação, o projeto retira o poder do Executivo, do Congresso e da sociedade de moldar o tamanho do orçamento público e deve ter resultados nocivos para os mais pobres. “Só é possível realocar [os recursos] dentro do orçamento. Isso vai provocar um enorme acirramento do conflito distributivo dentro do orçamento. Vai reduzir muito o orçamento disponível e, evidentemente, quem tiver mais força política, vai conseguir um pedaço maior. E a população mais vulnerável, que não tem articulação política, pode sair prejudicada desse processo”, previu.

Além disso, Rossi avaliou que será muito difícil cumprir o que diz a PEC, já que as novas regras significarão um corte drástico nas polícias públicas. A partir de uma previsão otimista de que a economia vá crescer 2,5% a partir de 2018, o economista fez uma projeção na qual mostrou que o tamanho da despesa primária do governo federal vai passar de algo em torno de 20% do PIB em 2016, para cerca de 15,7% em 2026 e de 12,3% em 2036.

“Então essa PEC implica numa redução substancial do gasto do governo federal, uma redução fenomenal do Estado”. Na sua apresentação, ele lembrou que, mesmo com a PEC, alguns gastos não poderão diminuir, como é o caso das despesas da previdência, o que complicará ainda mais a situação de outras áreas.

“Mesmo considerando uma reforma da previdência, tal como está sendo proposta, chegaremos em 2036 com 8,6% do PIB com gastos com previdência. Supondo ainda que as despesas com saúde e educação fiquem congeladas, o que vai acontecer com o gasto das demais despesas? Vai cair de 8% para cerca de 1% em 2036. Dá para caber as demais despesas em 1% do PIB? Eu acho que não”, diz o economista.

Rossi destacou que o Brasil é um país extremamente desigual, com uma necessidade de serviços sociais enorme e que propôs na Constituição de 1988 um Estado de bem-estar social. “Se a gente almeja melhorara a saúde e a educação pública, não é por meio dessa PEC”, defendeu.

“Essa PEC está dizendo que as benesses do crescimento econômico não vão ser direcionadas para os serviços públicos e para a população que mais precisa dos serviços públicos. A PEC está dizendo que, quando o bolo crescer, a parte que crescer não fica com o Estado”, resumiu. 

De acordo com o economista, a proposta vai muito além de um mero ajuste fiscal, ao propor mudanças que alteram os destinos do país e tratam dos rumos do projeto nacional. “E é um projeto completamente incompatível com o projeto da Constituição de 1988”, acrescenta.

Para ele, a proposta impõe uma “redução brutal do estado e revisa a ideia de que o Estado tem deveres com a população e que a população tem direitos sociais”. O professor defende, então, que a discussão da matéria precisa passar por um pleito eleitoral. “Se a população decidir por isso, que seja implementado. Mas eu desconfio que esse projeto não passaria num pleito eleitoral”, encerrou.