No Brasil de Temer, FMI cobra reformas e fim da valorização do mínimo

O golpe de 2016 parece mesmo ter lançado o Brasil em uma volta no tempo, rumo a décadas nas quais o país era refém dos ditames do Fundo Monetário Internacional (FMI). Depois de uma visita oficial ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o órgão emitiu um comunicado no qual recomenda que o país revise a política de valorização do salário mínimo e promova as reformas trabalhista e previdenciária. Depois de 11 anos, estará o Brasil voltando aos tempos de subserviência?

Lagarde

No texto, o FMI mostra total sintonia com o governo de Michel Temer. Elogia as propostas anunciadas para cortar gastos e, para justificá-las, utiliza a mesma estratégia da gestão: condiciona a retomada do crescimento à aprovação das medidas de austeridade. Como se não houvesse alternativas, quase uma ameaça.

De acordo com o Fundo, a política de valorização do salário mínimo, que ajudou no combate às desigualdades no país, é “uma importante fonte de pressão fiscal no médio prazo” e, por isso, precisa ser “revista”. Entre 2002 e 2016, o salário mínimo registrou ganho real de 77%. Passou de R$ 220 para R$ 880, uma decisão política que ajudou a retirar milhões de pessoas da linha da pobreza.

No país, 48,3 milhões de pessoas possuem rendimentos que têm por base o salário mínimo. São trabalhadores do campo e da cidade, aposentados e pensionistas e pessoas de baixa de renda.

Pensando em conceder mais dignidade a esses brasileiros e numa ação para enfrentar a gritante desigualdade em um dos países com maior concentração de renda do mundo, desde 2011 passou a valer regra na qual o mínimo tem correção anual baseada no crescimento da economia de dois anos antes e pela inflação do ano anterior.

É esse mecanismo que possibilitou um pouquinho de avanço social que o FMI sugere ao governo Temer eliminar. Para o Fundo, “a relação entre os benefícios sociais e o salário mínimo precisa ser revisada, e a fórmula para o salário mínimo também, para melhor refletir as melhoras na produtividade”.

O organismo aposta ainda na retirada de direitos trabalhistas para fazer a economia crescer. Defende que “reformas que visem facilitar o emprego produtivo e reduzir incentivos à informalidade podem promover a criação de empregos, investimentos e crescimento”. A experiência, contudo, não confirma a afirmação, mostra que a flexibilização das leis leva à precarização e, em geral, serve para aumentar os lucros das empresas e não o número de empregados.

O texto também recomenda ao país reformar a seguridade social de forma ampla, “concentrando-se em todos os aspectos principais do sistema, incluindo uma modificação das regras de idade para aposentadoria e outros benefícios”, além de incluir servidores públicos em todos os níveis. Sem explicar como – e de forma certamente contraditória –, o comunicado faz a ressalva de que as mudanças devem “proteger os mais vulneráveis”.

O Fundo afirma que a recessão brasileira pode estar perto do fim e estima que uma recuperação do PIB pode vir já a partir de 2017. Mas a previsão está repleta de condicionantes. A projeção, diz o organismo, considera que o teto de gastos e a reforma da Previdência serão aprovados em tempo razoável e que o governo conseguirá cumprir as metas fiscais para 2016 e 2017.

Apesar de dizer que uma melhora na situação fiscal que se baseie apenas no corte de gastos pode demorar a surtir efeitos e até mesmo trazer riscos, o órgão elogiou a medida apresentada por Temer para impor um limite ao crescimento das despesas públicas, por 20 anos.

“O foco do governo no controle do crescimento das despesas fiscais é um imperativo e é bem-vindo.” Segundo o FMI, a aprovação e a rápida implementação da medida seria um “divisor de águas”, ajudando a reduzir o endividamento do governo.

Em uma espécie de cobrança aos parlamentares, o texto adverte que, caso a tramitação do projeto para controle de gastos fique paralisada, a tal confiança no país poderá se perder, o que levaria ao prolongamento da recessão.

O projeto a que o fundo se refere é a PEC 241, criticada por políticos, gestores e especialistas em orçamento, que apontam que ela terá impacto negativo sobre a qualidade de serviços públicos e vai retirar recursos inclusive de áreas como educação e da saúde.

Em relação aos impostos, o FMI prega uma reforma tributária para reduzir custos dos investimentos e a simplificação do ICMS, PIS/CONFIS e IPI. O Fundo defende ainda a manutenção das altíssimas taxas de juros do país, que tanto penalizam a economia brasileira.

E sugere uma abertura maior da economia verde-amarela: “A redução de tarifas e de barreiras não tarifárias, incluindo a revisão da política de conteúdo nacional, e a busca por negociações de acordos de livre-comércio além do Mercosul, também vão ajudar a aumentar a competitividade, a eficiência e o crescimento no médio prazo”.

Com reservas de US$ 370 bilhões, o Brasil, hoje, não precisa mais do Fundo. Bem diferente do que acontecia no passado, como na era FHC, quando o país quebrou e precisou recorrer ao órgão para fechar as contas. Em 2005, o governo Lula tomou a decisão histórica de quitar o restante da dívida contraída por FHC e livrar o país das exigências do FMI.

Mais que isso, em 2009, o Brasil chegou a emprestar dinheiro ao Fundo, tornando-se, assim, credor, algo que se repetiu em 2012. Assim, as recomendações do FMI hoje, não precisam ser seguidas, servem mais como uma fonte de pressão sobre o Congresso, uma demonstração de apoio político de quem nunca teve interesse no desenvolvimento autônomo, sustentado e inclusivo do país.

Além disso, o remédio que o fundo recomenda ao Brasil  tem sido questionado inclusive dentro do próprio organismo. Artigo assinado por três membros do departamento de pesquisa do FMI, defende que as políticas neoliberais – como as praticadas por Temer – aumentam a desigualdade e não geram crescimento.

“Em vez de gerar crescimento, algumas políticas neoliberais aumentaram a desigualdade, colocando em risco uma expansão duradoura (…) Os custos em termos de crescente desigualdade são evidentes (…) As políticas de austeridade não só geram custos sociais substanciais, como também prejudicam a demanda e assim agravam o desemprego”, concluem os pesquisadores.

Resta saber se, mesmo sem precisar hoje do FMI, o Brasil de Temer voltará a seguir tal cartilha – um gesto de submissão voluntária.