Empresa de comunicação pode fortalecer luta pela democratização em MG

Na contramão dos retrocessos em nível nacional, governo mineiro sanciona lei que cria Empresa Mineira de Comunicação e abre possibilidade para fortalecer a comunicação pública no estado

Empresa Mineira de Comunicação

A criação da Empresa Mineira de Comunicação (EMC) desperta expectativas positivas sobre o avanço da comunicação pública em Minas Gerais. Aprovada na Assembleia Legislativa (ALMG) no dia 24 de agosto, a Lei 22.294 foi sancionada pelo governador Fernando Pimentel na última quarta-feira (21/9). Agora, o Comitê Mineiro pela Democratização da Comunicação e os sindicatos de trabalhadores da Rádio Inconfidência e da TV Minas reivindicam mais participação na construção da regulamentação da nova estatal. Discutida há pelo menos três anos, a EMC foi uma das propostas da 1ª Conferência de Comunicação de Minas Gerais, realizada em novembro de 2009, e acabou sendo aprovada no bojo da reforma administrativa do governo mineiro, que tem o objetivo de economizar R$ 2 bilhões no orçamento deste ano. 

A lei aprovada vincula a nova empresa à Secretaria de Estado de Cultura (SEC). A EMC assume a Rádio Inconfidência e a extinta TV Minas e tem por finalidade a execução de serviços de radiodifusão e a promoção de atividades educativas e culturais por intermédio da televisão. O FNDC foi um dos protagonistas do processo que culminou com a criação da estatal. Renata Mielli, coordenadora geral do FNDC, afirma que a criação da EMC pode significar um passo importante para o avanço da comunicação pública no estado. Ela lembra que a construção de legislações estaduais que garantam autonomia e reforcem o caráter público das emissoras estaduais é uma das estratégias de destaque na luta pela democratização da comunicação. Mielli pondera que muitas dessas emissoras mantidas pelo poder público são heranças das concessões educativas da ditadura militar. “Embora cada uma tenha seu próprio estatuto, nenhum garante independência e autonomia em relação aos governos, ou seja, não fazem, de fato, comunicação pública”.

Florence Poznanski, secretária geral do Comitê Mineiro pela Democratização da Comunicação, reconhece a criação da EMC como um avanço para a comunicação pública, mas afirma que a entidade quer participar do processo de elaboração do decreto de regulamentação da nova estatal. "Estamos avaliando a construção de um seminário sobre comunicação pública para discutir com a sociedade civil o modelo de regulamentação que realmente garanta à EMC um caráter público, de pluralidade e diversidade de conteúdo e de gestão democrática, com participação popular". Poznanski também afirma que o FNDC-MG não está alheio às reivindicações dos trabalhadores, que temem retrocessos nas condições de trabalho.

Conselho Estadual de Comunicação

A atuação do Comitê Mineiro do FNDC foi fundamental para a inclusão de dois pontos importantes no PL aprovado: a criação do Conselho Curador da EMC, que não estava previsto no projeto original, e a alteração da composição do Conselho Estadual de Comunicação Social (CECS), criado pela Lei 11.406, de 1994, mas que até hoje não funcionou.

Florence Poznanski, secretária geral do Comitê Mineiro pela Democratização da Comunicação, explica que a alteração equilibrou a composição. Antes, o governo tinha sete representantes no conselho. Com a emenda articulada pelos representantes do FNDC, passou a ter quatro: o vice-governador, os secretários estaduais de Governo e de Educação e o presidente da EMC.

Além dos representantes do governo, integrarão o CECS um representante da ALMG, três cidadãos de ilibada reputação e identificados com a área de comunicação social, um representante dos sindicatos estaduais de trabalhadores da área de comunicação social e um dos sindicatos patronais (os dois últimos escolhidos a partir de lista tríplice). “Embora não tenhamos garantido uma composição paritária da sociedade civil, consideramos esse ponto um avanço em relação à lei que cria o CECS”, avalia Poznanski.

A ativista ainda ressalta que apesar de ter sido novamente colocado em pauta, o CECS não tem sua implementação garantida. “O que temos é a palavra do secretário de Governo, que nos afirmou que o Conselho será de fato implementado. Agora, vamos cobrar que isso aconteça ainda este ano”, adianta. A criação de um fundo estadual de fomento à comunicação também foi reivindicada pelo FNDC, mas não foi incluída no projeto aprovado. “Caberá ao Conselho cobrar a criação do fundo”, adianta Poznanski.

A discussão com as entidades e movimentos sociais que atuam no campo da comunicação vem sendo reivindicada tanto pelo Fórum Mineiro quanto por outras entidades. Em junho, o Fórum enviou carta ao secretário de Planejamento e Gestão, Helvécio Miranda Magalhães Júnior, enfatizando que a criação da EMC não poderia se configurar como simples mudança de pessoa jurídica da Rádio Inconfidência e manifestando apoio às reivindicações trabalhistas da Associação dos Servidores da Rede Minas (Asprem), além de reivindicar amplo debate com a sociedade para formulação de um modelo inovador e bem-sucedido de comunicação pública no estado. Especificamente neste último ponto, a carta sugere a realização de um seminário construído coletivamente com a participação de todos os segmentos sociais interessados.

Poznanski também pondera que reformas administrativas sempre têm como objetivo principal a redução de custos. “Se a criação da empresa é simplesmente para reduzir custos isso não é satisfatório. Queremos que a EMC seja a oportunidade para fortalecer de fato a comunicação pública no estado, então temos muito para discutir nesse processo de regulamentação. E sem dúvida apoiamos as reivindicações dos trabalhadores da rádio e da TV Minas”, afirma. A ativista destaca ainda a importância de garantir um mandato fixo para o presidente da empresa que não coincida com o mandato do governador do estado.

Investimentos

Israel do Vale, presidente da Rede Minas e representante da Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec) na Coordenação Executiva do FNDC, afirma que a criação da EMC "é a concretização de uma ideia que vem sendo discutida há pelo menos três anos". Segundo ele, essa discussão vem sendo feita de maneira “transparente e aberta” com os funcionários da Rede Minas desde 2013, quando foi realizado o primeiro concurso público da emissora para contratação de pessoal. “O concurso foi feito às pressas. Além disso, exigia diploma de nível superior para funções como cinegrafista, por exemplo. Para se ter uma ideia de como ele foi desastroso, a emissora perdeu mais de um terço dos seus funcionários e dois terços de sua programação, porque as equipes ficaram desfalcadas. A TV foi sucateada, viveu um processo de desmonte. Foi nesse momento que surgiu a discussão da criação da EMC, sugerida pelo deputado Celinho do Sinttrocel (PCdoB)”, conta Vale.

O presidente da Rede Minas descarta a ideia de que a criação da EMC no bojo de uma reforma administrativa seja somente parte de uma estratégia de redução de gastos. “O governo tem feito grandes investimentos. Em breve estaremos mudando para a nova sede da emissora, onde foram investidos 120 milhões de reais na construção de prédio e na compra de novos equipamentos para rádio e TV. Estamos praticamente erguendo uma nova estrutura tecnológica. E isso é justamente o caminho contrário à inviabilização desses veículos”, garante. Ainda de acordo com o executivo, o orçamento da Rede Minas varia entre R$ 25 e R$ 35 milhões ao ano, integralmente originários do Tesouro. “Em 2015 houve aporte de R$ 10,5 milhões para a aquisição de novos equipamentos e chegamos a R$ 45 milhões”, completou. Segundo Vale, um terço desse valor corresponde à folha de pagamento e o restante é gasto com custeio.

Quanto às dúvidas dos trabalhadores, Israel do Vale afirma que não haverá prejuízos trabalhistas. “O processo de construção vem sendo feito de maneira transparente e aberta, numa instância chamada Diálogo com os Gestores”.

Trabalhadores temem retrocessos

A reportagem também ouviu Simone Pio, membro da diretoria colegiada da Associação dos Servidores da Rede Minas (Asprem), antes da aprovação do PL 3.513/16. Ela enumerava várias preocupações da categoria em relação à criação da EMC da forma como aconteceu. “A preocupação número um é a questão da outorga da Rede Minas. A Fundação TV Minas tem a outorga da TV, que não pode ser transferida, vence este ano e precisa ser renovada. Um dos documentos exigidos para a renovação dessa outorga é a comprovação de que a emissora está ligada a fundação não-lucrativa, além da comprovação de finalidade”, explicou.

Israel do Valle garante que a questão da outorga já está superada. “Estivemos no então Ministério das Comunicações para formalizar uma consulta sobre essa questão, justamente para não haver margem para qualquer tipo de questionamento”, explica. “A TV Minas funciona sob a gestão de uma fundação. A Rádio já é uma empresa pública. O que o projeto prevê é a incorporação a essa nova empresa da operação de televisão. Para não colocar a outorga sob risco, a fundação será incorporada à empresa pública até que a outorga seja transferida”, explica.

Simone também afirmou que os trabalhadores querem uma gestão mais democrática e a formação de comitês editoriais. “Achávamos que avançaríamos nisso e o governo paralisou tudo. Não renovou concurso público. 25% das pessoas que entraram por concurso já saíram por causa dos salários baixos e carga horaria de 40 horas semanais”, aponta.