Gleisi Hoffmann: O modelo perverso de Temer 

Na semana passada, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou estudo mostrando que, no segundo trimestre deste ano, a renda dos trabalhadores mais bem remunerados do país aumentou 2,4%, na comparação com o mesmo período do ano passado. O Ipea apontou também que as maiores perdas salariais foram registradas entre os que recebem menos que o salário mínimo e entre os que têm rendimento médio de até R$2 mil. Nesses grupos a queda média em 12 meses foi de 8,8%.

Por Gleisi Hoffmann* 

Sindicalistas alertam para ameaças do “Plano Temer”

A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) divulgou, também na semana passada, que mais da metade (51,8%) das negociações coletivas com vigência em agosto resultaram em reajustes salariais abaixo da inflação. E o que é pior: além de não conseguirem aumento real em agosto, 17 categorias ainda tiveram redução de salário e de jornada.

Esse quadro preocupante deixa claro que a recessão castiga em cheio os trabalhadores e contribui enormemente para o aumento da desigualdade em nosso país. Por isso, é preciso reagir, é preciso que o Estado volte a tomar medidas consistentes que possibilitem impulsionar a economia, gerar renda e riqueza. Não podemos permitir o retrocesso, com o agravamento das disparidades sociais.

Mas a nossa briga não é fácil. No modelo econômico de Michel Temer, o que prevalece é o “Estado mínimo”, o Estado do arrocho e do empobrecimento da população. E para implantá-lo, foi necessário deixar o caminho livre, patrocinando o golpe contra Dilma. Tanto é verdade, que em palestra a investidores internacionais, em Nova York, na última quarta-feira, o presidente golpista confessou, sem qualquer pudor, que o processo de impeachment foi a resposta a Dilma por ela ter se recusado a implantar o programa do PMDB, “Uma ponte para o futuro”, a carta aos brasileiros do escárnio e da maldade fiscal.

Para quem não se lembra – ou finge não se lembrar –, em 2013 e 2014 o Brasil vivia o que foi chamado de Pleno Emprego. A taxa de desemprego alcançou o menor patamar da história, a renda crescia e o mercado de trabalho cumpria um papel importante de desconcentrar a renda. Naqueles dois últimos anos do primeiro mandato de Dilma, começaram as teses de que nosso desemprego estava muito baixo e que isso gerava pressões inflacionárias. Vários analistas afirmavam que era preciso aumentar o desemprego para controlar a inflação.

Entre eles, nada menos que o atual presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, que em março de 2013 escreveu em artigo: “Na atual conjuntura talvez seja necessário desaquecer temporariamente tanto o consumo, adequando-o, no curto prazo, à oferta mais restrita, quanto o mercado de trabalho, para permitir adequar os aumentos de salários ao crescimento da produtividade do trabalho”.

Esses argumentos falaciosos decorriam do ganho obtido pelos trabalhadores durante os governos dos presidentes Lula e Dilma.

Revertendo uma tendência histórica, desde 2004, os salários passaram a aumentar a sua participação no PIB. Na série histórica do IBGE, vimos que de 1990 (36,4%) a 2004 (30,8%), houve queda da participação do salário no PIB, enquanto que pela nova metodologia do instituto, de 2004 (30,6%) a 2013 (34,3%) registrou-se aumento ininterrupto da participação dos salários (veja gráfico).

Essa evolução foi fruto de políticas ativas de aumento do salário mínimo e de queda do desemprego de forma contínua, elevando o poder de barganha dos trabalhadores na renda. Esse poder dos trabalhadores se refletia nas negociações salariais que garantiam aumento real a cada ano. E, ao contrário do que dizia a teoria econômica dominante, o aumento do salário era acompanhado pelo crescimento da oferta de emprego, e não queda. Como explicar isso? Muito simples – o aumento do consumo dos trabalhadores mantinha a economia girando.

Um dos principais autores das correntes não dominantes na economia, o professor polonês Michal Kalecki, já explicava, em 1943, no clássico artigo “Aspectos Políticos do Pleno Emprego”, o efeito desse aumento de poder de barganha sobre as elites. Nesse texto ele deixa claro que, para elites, é muito importante que o Estado não possa ter instrumentos para garantir o Pleno Emprego, pois é importante que o nível de atividade dependa exclusivamente do “estado de confiança” dos empresários.

A PEC 241 – que limita o aumento dos gastos do governo à inflação do ano anterior e irá impor uma queda da participação do Estado na economia – é justamente o instrumento necessário para impedir que qualquer governo, nos próximos 20 anos, possa fazer o que foi feito de 2003 a 2014. Ou seja, o governo que usurpou o poder de uma mulher legitimamente eleita por mais de 54 milhões de brasileiros quer colocar na Constituição a agenda neoliberal que o povo rejeitou nas urnas.

Ora, senhor Temer, o mundo mudou. Até mesmo o FMI, queridinho de Vossa Excelência e de seus aliados de ocasião, já deu a mão à palmatória e reconheceu que o receituário neoliberal do próprio Fundo para o crescimento econômico sustentável em países em desenvolvimento pode ter efeitos nocivos de longo prazo.

Se o senhor não sabe, em maio deste ano três economistas do FMI escreveram em artigo na revista “Finance&Development” que “os benefícios de algumas políticas que são uma parte importante da agenda neoliberal parecem ter sido um pouco exagerados”. Em meio ao debate na Europa sobre a crise em países como Portugal e Grécia, os economistas destacaram que as políticas de austeridade, que frequentemente reduzem o tamanho do Estado, não somente geram custos sociais substanciais, mas também prejudicam a demanda e aprofundam o desemprego. “Em vez de gerar crescimento, algumas políticas neoliberais aumentaram a desigualdade”, completam os técnicos do Fundo Monetário Internacional.

Chega de arrocho, chega de tentativas de acabar com os avanços sociais e as conquistas dos trabalhadores! E chega também de tantas humilhações patrocinadas pelas forças que querem destruir Lula e o PT para, dessa forma, entregar o Brasil de mão beijada a grupos internacionais e impor o que tem de mais perverso nos modelos econômicos liberais.