Walter Sorrentino: Não é uma campanha despolitizada

 A Folha de São Paulo deste sábado (24),  a uma semana das urnas, analisa os resultados do Datafolha sobre a eleição na capital de São Paulo, cruzando dados para captar a definição de voto dos indecisos, o quanto o voto em determinado candidato é consolidado ou não e, mais, para quem migrariam os votos não consolidados.

Jandira Feghali - Foto: Divulgação

Em São Paulo, 39% ainda são indecisos, sem contar os votos indicados mas não consolidados: 51% dos entrevistados que declararam voto em Marta afirmaram que ainda podem mudar de ideia; são 37% os que titubearam sobre Doria, 38% sobre Haddad, 39% sobre Russomanno e 45%, Erundina. Ou seja, a eleição está em aberto, a uma semana das urnas.

Marta tem uma barreira que é a desconfiança sobre sua migração partidária, o eleitor quer entender melhor isso; Russomano, pela sua inconsistência, declarações desencontradas e furadas e falta de sustentação.

Por outro lado, uma recente qualitativa de bom gabarito em importante capital brasileira, indica que porcentagem substancial da sociedade brasileira tem posição contra o golpe, algo em torno de 35-40% dos eleitores. Nada a ver com Dilma ou com o PT, mais propriamente contra o trauma político do golpe na democracia. Estão incomodados com a radicalidade do confronto entre a turma do golpe e do Fora Temer, e desiludidos ou abalados pela situação do PT que se tornou alvo seletivo dos golpistas. A maioria quer ver se isso se confirma e onde vai dar, há muitas coisas em aberto. Mais importante: testadas, os grupos pesquisados reconheciam em boa medida os campos políticos entre os candidatos da disputa municipal.

Uma conclusão é que é um engano dizer que esta campanha é despolitizada. Há um componente político subjacente à opção do eleitor, para além de propostas para a cidade.

O eleitor, as pessoas – talvez, quase certamente –, não queiram ter um debate público sobre sua posição a respeito da cena nacional, mas não deixam de ter opinião que subjaz à apreciação que fazem dos candidatos, seus apoiadores e suas propostas. E as levam em conta ao definir o voto.

Convenhamos que a situação dos eleitores é, compreensivelmente, de muitas incertezas quanto aos acontecimentos e perspectivas. Não quer ser ludibriado, nem quer se enganar ao votar e se arrepender no futuro. Não se pode culpá-lo, está bem difícil definir o voto e as regras de campanha tornaram isso ainda mais difícil.

Mas não é uma campanha despolitizada. Há uma recusa surda da bipolaridade que comanda a vida política há mais de vinte anos, uma tendência de mudança e não de continuidade, o que fragmentará os resultados eleitorais em termos de legendas partidárias. Fala muito disso o fato de o PRB evangélico estar liderando por ora nas duas maiores cidades do país. A direita política, com o golpe, de fato lograram construir uma corrente de voto de opinião, baixa mas generalizada no país. Fazem o gênero da anti-política, mas não enganam nem aos incautos: são políticos profissionais e corporativos. Mas o que se fiam no exemplo de sua vida, não há como esquecer o governo Lula e as melhorias sociais introduzidas, apesar do anti-petismo em ascenso.

Isso indica que para vencer não bastaria demarcar campos do ponto de vista nacional tanto quanto não bastaria só apresentar propostas para a cidade. O eleitor está exigente, como sempre, não despolitizado, precisa ser capturado num fio narrativo, pela racionalidade e ainda mais pelo ideário e emoção, que dão base à sua sustentação e propostas.

Propostas são condições necessárias porém insuficientes para vencer a disputa na campanha. Não bastam, se não se sustentarem também na identidade de campos sobre a cena nacional, produzindo identidade de campos políticos, bem tratados sob o ponto de vista do ideário médio do eleitor.

Sobretudo nos grandes centros urbanos como São Paulo e Rio, é de se esperar que esses fenômenos sejam mais nítidos. Jandira no Rio, por exemplo, disputa palmo a palmo sua entrada no segundo turno contra a máquina do governo municipal, acertando no ponto de combinação entre identidade de campo político, no plano nacional, referido aos campos em disputa na cidade, e suas propostas. Tanto assim que levou Dilma e Lula à campanha. Assim, tende a ultrapassar Freixo do PSOL e sua boa mensagem.

Haddad, prefeito e candidato à reeleição em São Paulo, não encontrou esse bom ponto. Foi travado graças a certa invisibilidade de suas realizações e persona política e, quanto à identidade de campo, pela má situação do PT. Suas propostas são as melhores, suas realizações são realmente boas e importantes, mas não bastarão se não se combinarem com alguma contundência e emoção sobre os polos políticos em disputa na cidade referidos aos acontecimentos nacionais. Ele tem moral para a contundência, apelar ao eleitorado para levar essa quase metade da população contra o golpe ao segundo turno e até para fazer a defesa do PT, como partido que legou muitas transformações positivas ao povo e que quer se reformar, aprender com os erros, tarefa na qual Haddad joga grande papel. Na dúvida, lembrar sempre que mais de 80% rejeitam o governo Temer e, até nas manifestações pró-golpe, uma ampla maioria manifesta de público rejeição massiva a Alckmin, Aécio e Serra, por exemplo.

Uma outra conclusão é que, se para ganhar as duas condições são necessárias, para perder deve-se sempre ter em mente o saldo que fica: pode-se ter uma derrota eleitoral sem necessariamente uma derrota política. É o que se chama “cair de pé”, com reforço da imagem e representação de campos políticos nítidos. Porque não há vitórias irreversíveis, nem derrotas definitivas.