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Retrato no entardecer de agosto, um sonho socialista do século 19

O jornalista e escritor Luiz Manfredini acaba de lançar seu terceiro livro, Retrato no Entardecer de Agosto. Diferente das obras anteriores – As Moças de Minas e Memória da Neblina – desta vez ele volta ao século 19 para nos apresentar a impressionante história Dr. Faivre, um médico francês que fundou uma “comunidade” no Paraná livre da escravidão quando esta prática ainda vigorava no Brasil.

Por Mariana Serafini

Luiz Manfredini - Reprodução

Dr. Faivre, sonhou com um mundo socialista. Um mundo livre de senhores e escravos, onde o trabalho e o lucro fossem divididos de maneira equiparada e a vida humana tivesse mais valor que a propriedade. Dois séculos depois, Manfredini resgata o legado deste médico que abandonou a França para empenhar toda sua energia em realizar seu sonho no Brasil.

Foi na selva fechada de terra vermelha, famosa pela fertilidade, que Faivre fundou a Colônia Thereza, um território livre. O relato de Manfredini é tão minucioso que por vezes nos faz pensar que não estamos tão distantes assim desta utopia passada.

Depois de anos de pesquisa em arquivos, museus e bibliotecas do Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e França, Manfrendini nos traz, como diz o título, um verdadeiro retrato do legado de Faivre. Assim como o médico francês, o jornalista curitibano empenhou muita energia para reconstruir esta história.

“Há muitos detalhes. Como se alimentavam, como se vestiam, os instrumentos de trabalho, os hábitos e vai por aí. Nos últimos anos, me vali muito do 'Google', revela o jornalista que também se debruçou sobre livros antigos com relatos de viajantes encontrados e sebos e recortes de jornais. “Foi um trabalho de fôlego que consumiu alguns anos e muita energia”.

Para Manfredini, a história de Faivre nos traz, principalmente, “o aprendizado [sobre] a convicção de que integramos uma sociedade e devemos nos voltar para a solução dos seus problemas. Há uma frase do Dr. Faivre que uso como epígrafe do livro, que diz tudo sobre a visão humanista que permeia sua trajetória e se projeta com ensinamento: 'Estou pronto e desejo gastar todas as minhas forças para o bem do país e da humanidade. É o meu dever'. É o nosso dever”.

A literatura e o mercado

Retrato é baseado em uma pesquisa sobre a vida e a obra de um personagem importante da história do Brasil. Mas a magia do livro mora na ficção que Manfredini soube dosar com precisão cirúrgica. “O personagem Balthazar, por exemplo, nunca existiu como realidade objetiva. Mas há quem o julgue o elemento poético mais forte do livro”.

“O essencial no livro é a ficção, o que nele há de essencialmente literário, o texto, a estrutura narrativa, essa mistura de tempos, os personagens. A pesquisa não é criação, as informações estão dadas, basta encontrá-las e utilizá-las na narrativa. Criação é aquilo que se acrescenta aos fatos, um trabalho nada fácil”, revela o autor.

No momento que a literatura vive cada vez menos de grandes histórias, a pesquisa para a composição de Retrato é um ato de coragem. Para Manfredini, as vitrines de “grandes eventos” [feiras e bienais] estão dominadas pelas “grandes empresas editoriais, que realizam grandes negócios”. Neste aspecto, a obras literárias de fôlego só são bem vindas se forem também “um bom negócio”. “A literatura se mercantilizou, o que acaba deslocando o valor da obra literária para sua capacidade de gerar lucros, o que não raro sacrifica o trabalho de bons escritores.”