"Mídia transformou Judiciário em fonte de exceção", diz jurista da PUC

“O Direito se tornou uma grande farsa”, resumiu Rafael Valim, professor da PUC-SP e especialista em Direito Constitucional pela Universidad Castilla-La Mancha (Espanha), ao comentar a decisão do juiz Sérgio Moro, responsável pelo processo da Lava Jato na primeira instância, de aceitar a denúncia contra o ex-presidente Lula.

Por Dayane Santos

Rafael Valim - Beto Nocit/Cerrado Fotografia

Em entrevista ao Portal Vermelho, Rafael Valim fez uma análise como a decisão de Moro reflete no sistema judiciário brasileiro. Para ele, a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal do Paraná “foi algo grotesco, que foge a qualquer padrão civilizatório” e a decisão de Moro “serve para encobrir um estado de coisas óbvio: de parcialidade, de perseguição a determinados setores da sociedade”. Ele classificou os comentários do juiz sobre a esposa de Lula como “cínico”. Na decisão, Moro disse lamentar a imputação realizada contra Marisa Letícia.

“É um retrocesso enorme e o MP, que tem ou tinha, a condicional de defender a ordem democrática se transformou na principal força de destruição”, afirma o jurista, que é enfático ao afirmar que “hoje o Judiciário é fonte de exceção”.

“Uma exceção forçada pela mídia. É a negação do Estado de Direito, na medida que não temos Judiciário e, por consequência, acaba o estado de direito por não ter mecanismos para garantir a preservação das normas. Isso é muito grave. Essa substituição da lógica própria do Judiciário pela lógica midiática é a própria negação do Judiciário. É algo que vamos ter que enfrentar”, argumenta.

Reação entre juristas

Segundo o professor, os reiterados abusos cometidos pela força-tarefa da Lava Jato “acabou despertando alguns setores da sociedade e da comunidade jurídica que ainda estavam resistindo a se pronunciar”. Ele cita como exemplo a reação Conselho Nacional da OAB, que criticou a espetacularização do MPF.

“Esses absurdos estão pouco a pouco despertando pessoas que ainda estavam caladas. Vivemos num momento que o silêncio implica em consentimento a tudo que está sendo feito”, reforçou o professor, apontando as falhas no conjunto probatório apresentando pelo MPF.

“Do jeito que foi apresentada, fora o espetáculo – que é uma violação gravíssima à presunção de inocência – já se coloca que ele [Lula] é ‘o comandante máximo de uma organização criminosa’. Isso é inaceitável contra o Lula e contra qualquer pessoa. A apresentação fugiu de qualquer sentido mínimo de Justiça. Foge à razoabilidade”, frisou.

Para o jurista, “o sistema midiático corrompeu o Judiciário” e o Judiciário abandonou a lógica própria do processo, adotando um julgamento não conforme a opinião pública, “mas a opinião publicada”.

“É a falência total do Judiciário. Quando se faz julgamento conforme a opinião publicada, com base nos juízos que a mídia faz, acabou o Judiciário”, completa.

Na avaliação do professor, a mídia tem sido o principal instrumento de condução dessa política e não haverá mudanças enquanto esse sistema midiático atual se manter. “São coisas inconciliáveis. Não tenho dúvida. Com o sistema que temos hoje e com a mídia, jamais teremos democracia”, disse.

“Esse assalto à democracia foi por meio do Judiciário, outrora foi por outros meios. Mas o assalto à democracia pelo Judiciário é muito mais perverso. Tem aparência de que tudo está sendo feito respeitando os procedimentos. Típico do fascismo em que se privilegia a forma em detrimento do conteúdo”, pontua.

Rafael Valim afirma que não se pode cair no engodo de achar que tudo está sendo respeitado e que se o Moro for parcial haverá segunda instância para corrigir os erros.

“Sabemos que todas as instâncias estão amedrontadas pela mídia. Sempre digo nas minhas aulas que na exceção só mudam os algozes e as vítimas. Hoje é o Lula, amanhã seremos nós”, lembra o professor.

E conclui: “Não se trata de uma questão de ser lulista ou não lulista. Isso também é parte da campanha para embaralhar as coisas. Hoje é uma defesa da ordem democrática e da Constituição que, infelizmente, não está mais em vigor e não regula mais nada em nosso país”.