Carga tributária da saúde: entre a incidência e a renúncia

Mesmo em termos brutos, o Brasil não apresenta uma das maiores cargas tributárias do mundo. E a posição brasileira pode cair mais ainda se forem considerados no cálculo os tributos que retornam para a sociedade por meio das transferências públicas, subsídios, desonerações tributárias e renúncia fiscall.

Por Rafael da Silva Barbosa*, no Brasil Debate

Saúde

A fórmula da carga tributária de um país (arrecadação tributária total/PIB) é muito simples, o que, por sua vez, pode induzir a uma visão simplista da questão. Dentre os aspectos mais relevantes da carga tributária (CT) estão o grau explicativo do indicador para o desenvolvimento da economia e os fatores condicionantes do mesmo.

Averiguar se uma determinada carga tributária é benéfica ou negativa ao desenvolvimento econômico vai depender do modelo tributário adotado, ou seja, se ela é progressiva[1] ou regressiva[2]. Ademais, sua evolução cíclica irá depender dos fatores condicionantes do numerador (arrecadação tributária), assim como do seu denominador (PIB).

Significa dizer que, uma suposta elevação da CT pode ocorrer devido à elevação das alíquotas e/ou criação de tributos; e/ou queda do PIB. Embora, o indicador da CT possa parecer simples, o conjunto de variáveis que o compõe dá margens a mais de uma interpretação para queda ou elevação do indicador. Para além da interpretação do Custo Brasil, o indicador da CT possibilita analisar os principais agentes financiadores e beneficiários da política tributária do Estado.

Normalmente, acredita-se que a carga tributária do Brasil vem se elevando rapidamente ao longo dos anos e, que, devido a isto, ela é uma das maiores do mundo. Todavia, quando a CT é analisada a partir dos dados concretos, observa-se que sua evolução nos nove anos dos dados disponíveis foi de 3,5 pontos percentuais, além do que, quando comparada aos demais países, a posição do Brasil encontra-se muito próxima da média dos países da OCDE.

A partir da evolução da Carga Tributária Bruta (Arrecadação Tributária Total/PIB) constata-se que ao longo da série existem sobressaltos do indicador tanto para elevação quanto para a sua queda, ver gráfico I.


Mesmo em termos brutos, o Brasil não apresenta uma das maiores cargas tributárias do mundo, conforme pode-se observar no gráfico II; existem um conjunto de países com alto nível de IDH, qualidade de vida e desenvolvimento econômico que superam a marca dos 35,9%.

E, a posição brasileira pode cair mais ainda se considerar no cálculo os tributos que retornam para a sociedade através das transferências públicas, subsídios, desonerações tributárias e renúncia fiscal. Assim, evidencia-se o quanto de fato o Estado tributa a sociedade.


De acordo com a tabela I, o Brasil é o 13° no ranking dos países selecionados da Carga Tributária Líquida (CTL). Isto é, o Estado brasileiro retém do PIB cerca de 19,3%, sendo que praticamente 6% pontos percentuais desse total são para juros da dívida pública, restando de fato para operacionalidade da máquina pública 13%. Ou seja, o que o Estado utiliza de forma efetiva para suas atividades é menos da metade da arrecadação bruta.


Já para o efeito do cálculo da Carga Tributária do Setor Saúde, é preciso depurar o numerador do indicador segundo as áreas do setor, como atividade hospitalar; indústria de maquinário, material, fármaco e química da saúde; comércio varejista e atacado; planos de saúde; dentre outros. Todos esses parametrizados segundo a Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE).

A partir dessa seleção, busca-se elencar os tributos geradores da arrecadação para o setor saúde, tais como, os federais (IRPJ, PIS, COFINS, CSLL e Contribuições Previdenciárias); o estadual (ICMS saúde); e o municipal (ISS saúde). E, por último, buscar as informações do denominador do indicador, para o qual deve revelar a riqueza e renda a gerada no setor por meio do cálculo do PIB da saúde. Dessa forma, obtendo a Carga Tributária Bruta da Saúde (arrecadação tributária do setor saúde/PIB da saúde).

De acordo com a Confederação Nacional de Saúde (2010), no período dos anos de 2004 a 2008 houve sensível crescimento da arrecadação tributária do setor saúde, com maior participação das contribuições do setor privado.

Isto decorre do fato de que o Complexo Industrial da Saúde é praticamente composto pelo setor privado, sendo esse setor o de maior valor adicionado dentre as esferas produtivas da saúde, logo implicando em maiores contribuições tributárias ao setor saúde.

De certa forma, a variação da Carga Tributária Bruta do Setor de Saúde é estável ao longo da série analisada, apresentando um percentual de 16,07%. Conforme destacado anteriormente, as empresas privadas possuem uma maior carga devido sua abrangência na estrutura produtiva do setor saúde como um todo.


Diante disto, destaca-se que não há nenhum estudo sobre a Carga Tributária Líquida do Setor de Saúde (CTLS), o que se torna imprescindível, visto as atuais políticas de desoneração tributária e renúncia fiscal voltadas ao setor de saúde.

A título de informação, a renúncia do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) por despesas médicas saiu dos R$ 3,7 bilhões em 2009 e alcançou R$ 11,8 bilhões em 2015, apresentando a maior taxa de variação dentre as modalidades, 213% (BARBOSA, 2015). Isso sem mencionar os demais setores da economia da saúde, tais como, indústrias farmacêuticas, indústria de produção de material médico hospitalar e comercio atacadista e varejista.

Constata-se que a Carga Tributária Bruta do Setor de Saúde incide mais no setor privado, entretanto esse mesmo setor é um dos principais beneficiários dos subsídios e gasto tributário no formato das desonerações tributárias e renúncia fiscal do imposto de renda.

NOTAS

[1]Núcleo tributário voltado à renda e a propriedade de forma progressiva em relação aos extratos superiores de riqueza do país.

[2]Núcleo tributário voltado aos bens e serviços da economia de forma regressiva em relação aos extratos mais baixos e médios de riqueza do país.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, R. S..Desoneração tributária, renúncia fiscal e saúde pública. Brasil Debate (brasildebate.com.br), abril de 2015.

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE (CNS); FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE HOSPITAIS; INSTITUTO BRASILEIRO DE PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO. Radiografia da Tributação do Setor de Saúde. Brasília, mar. 2010.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Carga Tributária Líquida e Efetiva Capacidade do Gasto Público no Brasil. Número 23. Brasília: Comunicado da Presidência, jul. 2009.

MINISTÉRIO DA FAZENDA (MF). Carga Tributária no Brasil: análise por tributos e bases de incidências. Brasília: CETAD Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros, dez. 2014