Leon Tolstói por Vladimir Lênin

No último dia 9 de setembro o genial escritor russo Leon Tolstói teria comemorado 188 anos de idade (ele nasceu em 9/9/1828 e viveu até 20/11/1910). Ao longo de sua vida ele afastou-se da alta aristocracia russa, da qual era originário, e aproximou-se cada vez mais do povo de vida simples e humilde. Deixou uma obra que exprimiu, com notável realismo, as contradições da vida russa nos anos anteriores à revolução de 1917.

Tolstoi - Divulgação

Era um dos autores preferidos – talvez o preferido – de Lênin, que escreveu o texto reproduzido na íntegra pelo Vermelho. Trazemos também uma lista com cinco obras essenciais de Tolstoi, disponível ao final do artigo.

Tolstoi, um grande artista

Por Vladimir Ilitch Lênin

Morreu Leon Tolstoi. Sua importância mundial como artista e sua popularidade universal como pensador e pregador refletem, a seu modo, a importância mundial da revolução russa.

Leon Tolstoi se manifestou como um grande artista desde os tempos do regime da servidão. Em várias obras geniais, escritas por ele no transcurso dos longos cinquenta anos em que se prolongou a sua atividade literária, pintou de preferência a velha Rússia anterior à revolução, que depois de 1861 ficou em um regime de semisservidão; pintou a Rússia aldeã, a Rússia do latifundiário e o camponês. Ao pintar esse período da vida histórica da Rússia, Leon Tolstoi soube apresentar tantas questões fundamentais em seus escritos, alcançou em sua arte tão grande força, que suas obras figuram entre as melhores da literatura mundial.

A época em que se preparava a revolução em um dos países oprimidos pelos senhores feudais foi, graças à forma genial com que Tolstoi a tratou, um passo adiante no desenvolvimento artístico de toda a humanidade.

Como artista, somente uma minoria insignificante o conhece na Rússia. Para fazer efetivamente suas grandes obras patrimônio de todos, há que lutar contra o regime social que condenou milhões e milhões de seres à ignorância, ao embrutecimento, a um trabalho próprio de condenados e à miséria; há que fazer a revolução socialista.

Tolstoi não só escreveu obras literárias que sempre serão apreciadas e lidas pelas massas quando estas criem para si condições de vida humana, derrubando a opressão dos latifundiários e dos capitalistas; ele soube também descrever com força admirável o estado de ânimo das grandes massas subjugadas pela ordem de coisas desse tempo, soube também pintar sua situação e expressar os seus sentimentos espontâneos de protesto e indignação. Tostói que pertenceu, principalmente, à época de 1861 a 1904, refletiu com assombroso realce em suas obras – como artista e como pregador – as características da especificidade histórica de toda a primeira revolução russa, sua força e sua debilidade…

Olhem com atenção o que dizem de Tolstoi os jornais do governo. Choram lágrimas de crocodilo assegurando que têm em alta estima o “grande escritor”; mas, ao mesmo tempo, defendem o “santíssimo” sínodo. E os santíssimos padres acabam de cometer uma canalhice das mais imundas, enviando seus popes à cabeceira do moribundo, para enganar o povo e dizer que Tolstoi se “arrependeu”. Antes, o santíssimo sínodo havia excomungado Tolstoi.

Prestem atenção no que dizem de Tolstoi os jornais liberais. Eles se apressam com estas frases ocas, oficial-liberalescas, batidas e professorais sobre “a voz da humanidade civilizada”, “o eco unânime do mundo”, “as ideias da verdade e do bem”, etc. etc., pelas razões que Tolstoi castigava com tanta força e tanta razão contra a ciência burguesa. Os jornais liberais não podem dizer clara e concretamente o que pensam das idéias de Tolstoi sobre o Estado, a Igreja, a propriedade privada da terra e o capitalismo. Isso não porque a censura os atrapalha – pelo contrário, a censura os ajuda a sair da dificuldade.

Eles não podem porque cada tese da crítica de Tolstoi é uma bofetada no liberalismo burguês; porque, por si, a valente, franca e implacavelmente dura concepção das questões mais candentes e mais malditas de nossa época por Tolstoi é uma bofetada nas frases estereotipadas, nos batidos subterfúgios e na falsidade escorregadia, “civilizada” de nossa imprensa liberal (e liberal populista).

Morreu Tolstoi, e se foi o passado da Rússia anterior à revolução, a Rússia cuja debilidade e impotência se expressaram na filosofia do genial artista e vemos refletidas em sua obras. Mas em sua herança há coisas que não pertencem ao passado. Pertencem ao futuro. Essa herança passa às mãos dos proletários da Rússia, que a está estudando. Daí virá a explicação às massas trabalhadoras e exploradas da significação da crítica que Tolstoi fez ao Estado, à Igreja, à propriedade privada da terra; e não o fará para que as massas se limitem à autoperfeição e a suspirar por uma vida santa, mas para que se levantem com o fim de lançar um novo golpe à monarquia czarista e à posse da terra por latifundiários, que em 1905 só foi ligeiramente quebrada e que deve ser destruída. Então se explicará às massas a crítica que Tolstoi fez do capitalismo, mas não o fará para que as massas se limitem a maldizer o capitalismo e o poder do dinheiro, mas para que aprendam a apoiar-se, em cada passo de sua vida e de sua luta, nas conquistas técnicas e sociais do capitalismo, para que aprendam a se agrupar em um exército único de milhões de lutadores socialistas, que derrubarão o capitalismo e criarão uma nova sociedade sem miséria para o povo, sem exploração do homem pelo homem.

Cinco obras essenciais de Tolstoi:

Guerra e paz

Este romance narra a trajetória de uma ampla gama de personagens fictícios durante um período conturbado da história, uma crônica histórica de proporções colossais que reconstitui minuciosamente as campanhas militares napoleônicas do início do século 19. Ora descrevendo os horrores do campo de batalha, ora relatando como a aristocracia russa era atingida pela destruição da guerra, ora mergulhando fundo na alma de seu povo para tentar descobrir o que o define, Tolstói imprimiu em Guerra e paz a marca de que só os grandes escritores são capazes: transformou seu texto em um manifesto antibélico e produziu uma das mais pujantes histórias de amor da literatura.

Anna Karienina

A história do amor difícil e complicado vivido pela protagonista Ana na Rússia czarista. Ela é uma mulher casada que vai atrás de seu amante Vronski mas, arrebatada por uma paixão proibida, resvala cada vez mais para um abismo de mentiras e destruição. Tolstói questiona o significado da vida e da justiça social tendo como pano de fundo as crises familiares.

Ressurreição

Último livro publicado, em vida, por Tolsto, ele completa o trio de seus grandes romances ao lado de Anna Karenina e Guerra e paz. Baseado em uma história real, um príncipe é convocado a integrar um júri e reconhece na ré uma criada que ele engravidara anos antes. Prostituída, ela é detida sob as acusações de roubo e envenenamento de um cliente. Acaba condenada a trabalhos forçados na Sibéria. O aristocrata busca a salvação da jovem e a própria rendenção espiritual, enquanto a narrativa revela os verdadeiros criminosos da sociedade da época.

A morte de Ivan Ilitch

Muitos críticos consideram esta obra a mais perfeita da literatura mundial. Ela mostra a história de um burocrata medíocre, Ivan Ilitch, um juiz respeitado que depois de conseguir uma oferta para atuar em uma outra cidade, compra um apartamento lá, para ele, sua mulher, sua filha e seu filho morarem. Ao ir para o apartamento, antes de todos, para decorá-lo, ele cai e se machuca na região do rim, dando início à uma doença. Tostoi prova que o destino é inevitável.

O que é arte?

Para o Leon Tolstoi, a boa arte deve comunicar às pessoas sentimentos do bem, ao invés de mostrar o que é belo, pois ambos são contraditórios e não podem conviver em harmonia, o bem é eterno e a beleza é temporária. Ele queria purificar a arte de todos os sentimentos não bons, todos os mistérios falsos e escravizantes, tudo que é ambíguo, irracional, contraditório. Por isso, condena diversos artistas, como Nietzsche, Shakespeare, Dante, Goethe, Rafael, Michelângelo, Bach e Beethoven. A obra demorou quinze anos para ser concluída e insere-se em uma série de livros e tratados polêmicos na qual o autor expõe suas idéias e pensamentos, angústias e iras, na tentativa de influenciar (e, portanto, transformar) a sociedade na qual vivia.