Pequeno manual do “neo-neoliberalismo” na América do Sul

O avanço dos governos neoliberais na América Latina deixa claro que eles renovaram o discurso, mas permanecem com a mesma essência destruidora. Termos como “gestão”, “administrador” (e não mais prefeito/presidente/governador), “merecimento” (para não falar em meritocracia) dão uma nova roupagem às práticas que já afundaram os países latinos nas décadas de 80 e 90.

Mauricio Macri - Reprodução

O comunicador Alejandro Fierro e a socióloga Ava Gomez fizeram um estudo sobre este novo discurso e elaboraram uma espécie de “glossário” do “neo-neoliberalismo”, ou seja, o discurso do neoliberalismo aplicado no século 21, que, em resumo, quer dizer o mesmo das décadas passadas.

Leia na íntegra:

Gestão eficiente – já não são tempos para as ideologias. Sequer para a política. Supostamente o que importa para as pessoas é que as coisas funcionem. O político torna-se um empresário e apenas os resultados são valorizados.

Lideranças sem carisma – De acordo com o conceito anterior, são necessários líderes sem carisma pessoal, mas com um “verniz” de “bons gestores”. A frieza de caráter se identifica com seriedade e responsabilidade para abordar os assuntos públicos. Prefere-se o contador de escritório aos líderes de massas. Porque este último foi associado a um “populismo manipulador”.

Banalização da política – Frente aos grandes líderes do passado, a política se reduz cada vez mais a uma espécie de apresentações desconexas onde se valoriza o tom raso. A frivolização se traveste de “humanização”. Programas de variedades e entretenimento se transformaram no cenário preferido dos políticos, em detrimento ao cenário institucional.

Meritocracia – As conquistas são produtos do esforço pessoal e não das condições sociais. A maximização da educação é o elemento legitimador do mérito. Apresentam um sistema educativo abstrato no qual supostamente todo mundo tem acesso, sem levar em conta a condição de classes.Teoricamente, a sorte do indivíduo depende da iniciativa dele de aproveitar ou não as oportunidades.

Desenvolvimento e consumo – O progresso se apresenta como um desenvolvimentismo sem limites que propicia a possibilidade de um consumo qualificado como “direito” (e ocultando desta forma os direitos legítimos, como direito à moradia digna, saúde, trabalho e salário).

Ineficiência dos modelos socialistas – São “intrinsecamente ineficientes”. Os êxitos obtidos por este sistema no século 20 foi uma miragem proporcionada pelos preços das matérias primas. Uma vez ressignificadas estas contribuições, estas propostas voltam a demonstrar sua inconsistência. Se tece um fio sutil que as relaciona aos antigos países comunistas do Leste Europeu e apresenta-se como “o fim da história”. Como se o capitalismo fosse o único sistema válido.

Retorno às referências ocidentais – Estados Unidos e Europa ocidental são os modelos, em contraponto à auto-identificação latino-americana da proposta bolivariana. Tudo se valoriza em função de ser mais ou menos semelhante ao “Primeiro mundo”. É um retorno aos complexos de inferioridade que tão funcionais tem sido às elites locais.

Consagração da unidade – Teoricamente os governos progressistas polarizaram os países, colocando “irmãos contra irmãos” [o discurso de que ‘o PT dividiu o Brasil’, por exemplo]. Já o “neo-neoliberalismo” levanta a bandeira da unidade por cima das diferenças de classe. Não importa ser rico ou ser pobre, o que realmente importa é o pertencimento à mesma nação. A luta de classes é invisibilizada.

Formalismos democráticos – São colocados em primeiro plano os protocolos das democracias eleitorais de origem liberal com o voto como máxima possibilidade de exercício político para os povos. Qualquer experiência de democracia com a figura de um líder é deslegitimada. A economia de livre mercado se torna um “requisito indispensável para a democracia”.

Da política social ao assistencialismo – Não se considera mais as políticas sociais como um direito. Entende-se que estas impedem o desenvolvimento de um país e privam seus beneficiários dos estímulos necessários para trabalhar e empreender [o discurso de que as pessoas deixam de trabalhar para “receber Bolsa-Família”, por exemplo]. Cria-se uma política assistencialista precária para os setores mais vulneráveis, mais com o objetivo de conter possíveis protestos – e mudanças eleitorais – que como uma ação decidida de tirar as pessoas desta condição.