Juristas classificam ação do MPF como “comício” e “esculacho”

Pelas redes sociais, a repercussão entre os juristas da coletiva comandada pelo promotor Deltan Dallagnol, nesta quarta-feira (14), foi muito negativa. Para Samuel Barbosa, professor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da USP, Lula foi denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro, mas a coletiva de Dallagnol serviu para outra coisa.

Dallagnol procurador da Lava Jato

“Denuncia-se por uma coisa e se esculacha por outra. Esse é o novo princípio do direito processual penal brasileiro, que já vem sendo aplicado em outros casos recentes”, afirmou o jurista, se referindo ao fato de que o ex-presidente foi acusado de ser chefe da organização criminosa, mas a denúncia apresentada em juízo não consta tal acusação.

Adriano Pilatti, do Núcleo de Estudos Constitucionais e professor da PUC-Rio, foi ainda mais crítico. Classificou a coletiva como um “comício”.

“Para quem leva a sério o Direito, os direitos e as instituições, o comício protagonizado por Dallagnol é uma das páginas mais tristes e constrangedoras da história do respeitável Ministério Público Federal”, afirmou o professor.

E acrescenta: “Cordilheiras de acusações, insultos, neologismos policialescos e outros detritos trombeteados com ‘fundamento’ em supostas ‘evidências’ que parecem ter a consistência de uma pluma. Reedita-se o drama mambembe já encenado por outros fanfarrões, aqueles do Ministério Público de São Paulo, sobre o mesmo objeto há meses, espetáculo que merecidamente os condenou ao esquecimento – o tal apartamento dá mesmo azar”.

Ele frisa que o tal apartamento localizado no Guarujá é a única “evidência” dos supostos crimes do suposto megagangster que supostamente controlaria o suposto esquema de desvio de supostamente bilhões.

“Acusação gravíssima, ilustrada por quadrinhos e slides que não escondem a inconsistência dos fatos em sua relação com a grandiloquência da denúncia. E a maior evidência dessa inconsistência é o próprio fato de os fanfarrões não terem pedido a prisão preventiva de tão supostamente perigoso ‘capo’ – até porque isso exigiria coragem”, reforçou.

O professor destaca ainda que tal conduta abre o precedente perigoso para a democracia brasileira e que o que foi apresentado pelo procuradores pode ser chamado de “pogrom, guerra, linchamento, auto de fé, jihad, o que for, menos de procedimento judicial”.

“Se uma pessoa, chame-se Lula, Aécio, Marina ou Bolsonaro, pode ser objeto de uma chacina midiática encenada por agentes públicos, no exercício de suas funções, a partir de suposições e adjetivos, então revogue-se a Constituição, suprima-se sua Carta de Direitos, renuncie-se à pretensão de integrar o campo das sociedades supostamente civilizadas e rasguem-se de vez as fantasias”, defende.

E conclui: “O Ministério Público não existe para dar vazão às pulsões de alguém visivelmente necessitado de assistência psicológica. Nenhum agente pago pelo contribuinte pode se prevalecer de suas atribuições para desqualificar violentamente alguém, tenha que nome tiver, na base do ‘não é possível que’, do ‘a única explicação é’, e outros sofismas do mesmo naipe”.