Serrano: MPF deve desculpas a Lula por acusação sem provas

Por quase duas horas, o promotor Deltan Dallagnol fez um discurso político para apresentar a denúncia de crime contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não poupou adjetivos para esconder a falta de um elemento técnico fundamental: as provas contra o acusado, se limitando a apresentar suas convicções.

Por Dayane Santos

Pedro Serrano - Robson Cesco/Carta Capital

O discurso político do procurador, nesta quarta-feira (14), foi a mais clara demonstração da condução ideológica que norteia a Operação Lava Jato, comandada pelo juiz Sérgio Moro, em que a espetacularização midiática substitui o Judiciário por conta da falta da carga de prova exigida para a condenação no processo criminal. A conduta segue o rastro da Operação Mãos Limpas, na Itália, em que os responsáveis pelas investigações fizeram largo uso da imprensa como um instrumento de execração pública.

“Houve uma postura de suspender os direitos constitucionais e tratar o ex-presidente Lula como inimigo do Estado”, afirmou o advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano em entrevista ao Portal Vermelho.

“É evidente que trataram o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva não como ser humano, no sentido jurídico da expressão que conta com a proteção das leis e de seus direitos fundamentais e políticos, mas como inimigo. Um ser sem direitos”, frisou.

Para Serrano, a acusação feita pelo procurador federal Deltan Dallagnol de que Lula está “no topo da organização criminosa” e de ser o “comandante máximo” do esquema de corrupção identificado na Lava Jato, sem apresentar provas, “é estarrecedor”.

“Ele [Dallagnol] faz isso num evento profissional em que denuncia ao público tal crime, só que na denúncia apresentada em juízo não consta a acusação contra o presidente Lula de que ele integra uma organização criminosa, ou seja, foi das convicções políticas do procurador que surgiu essa afirmação”, enfatiza o jurista.

Serrano lembra que a lei veda expressamente a atuação política partidária no exercício de função do Ministério Público. “A atuação político-partidária não é só declarar a predileção por um partido político, mas é também atacar o partido político que você discorda ou um líder político que você não gosta. Ele estava ali para descrever as acusações que o Ministério Público fazia na denúncia, não para transmitir suas convicções políticos-pessoais”, reforça Serrano, destacando que, no mínimo, “houve um comportamento inadequado, que cabe um pedido de desculpa na mesma proporção a que foi realizado”.

Ainda sobre esse pedido de desculpas, Serrano resgata o discurso feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, durante a cerimônia de posse da ministra Cármen Lúcia à Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF).

“Janot falou na posse na ministra Cármen Lúcia que a Operação Lava Jato era uma operação isenta. Ele tem agora a oportunidade de demonstrar isso, diante da coletiva que foi dada pela instituição Ministério Público. Ele, como chefe da instituição, deveria ir a público pedir desculpas ao ex-presidente pelo ocorrido… Foi uma conduta constrangedora para o meio jurídico e o Ministério Público Federal precisa reparar”, sustenta.

“É papel do Ministério Público ter a ética e preservar os valores democráticos e mostrar a isenção dos procuradores e ir a público pedir desculpas ao cidadão Luiz Inácio Lula da Silva, por terem imputado a ele um delito que sequer consta na denúncia. Se não fizer isso, a instituição estará ingressando num perigoso caminho da conduta político-partidária, que é vedada pela lei”, disse. 

Serrano reforça que se trata de um dever jurídico da instituição que não pode afirmar que alguém é criminoso antes que seja condenado em juízo com amplo direito de defesa.

“É dever da instituição trazer a público o conteúdo de uma denúncia, mas também é dever salvaguardar a imagem e os direitos fundamentais do citado ou do réu. Portanto, quando vai a público deve se pautar pela postura sensata, equilibrada e comedida. A denúncia oferecida, segundo o próprio integrante do Ministério Público, não foi com fatos e provas, mas com base em convicções. Aparentemente convicções políticas”, enfatizou.

E acrescenta: “No mínimo, há um erro de natureza técnica grave porque está se colocando a hipótese na frente dos fatos. Não se pode oferecer denúncia com base em hipótese. Isso é evidentemente o que chamamos no direito de responsabilidade penal objetiva, o que é total contrário a qualquer estado civilizado, a qualquer Estado Democrático de Direito”.

A teoria da responsabilidade objetiva determina que o agente responde pelo ato, ainda que tenha agido com ausência de dolo ou culpa, em relação ao resultado. Essa teoria contraria o Direito Penal brasileiro que é fundada na responsabilidade pessoal e na culpabilidade.

Sobre a falta de provas da denúncia com Lula, Serrano destaca que é um aspecto que evidencia a falta de fundamentação jurídica do processo.

“Existe, quando muito, indício que enseja a investigação, não que enseja a denúncia. Uma denúncia deve apresentar ao juízo o corpo probatório. Caso contrário estamos fazendo prevalecer a hipótese sobre o fato”, explica o professor.

“Houve uma ampla investigação estatal esse tempo todo. Fizeram uma varredora na vida do ex-presidente Lula. Se nada foi acrescentado a isso, essa denúncia é completamente inepta. Mas o pior é o procurador afirmar que age com base em convicções e não em provas. Isso não é função do Ministério Público. O promotor não é um acusador, mas um agente que deve promover a justiça. Deve acusar aquele a quem ele tem a convicção por provas que é culpado e não quem ele antipatiza ou discorda da política”, acrescenta.

A seletividade da ação também foi outro ponto destacado por Serrano. Ele destaca que há uma notória crise no sistema político brasileiro que tem o financiamento de campanhas corrompido.

“No entanto, o que se observa é que o alvo não é o sistema político corrompido, mas um segmento que participa desse sistema, não com a intenção de acabar com o sistema corrompido, mas com a intenção de evitar a participação no processo democrático desse segmento político”, reforça.

“Em dois anos, a Operação Mãos Limpas já tinha atingido todo o sistema político italiano. Até agora, o que nós só vimos na Operação Lava Jato, é só a esquerda, como se fosse apenas ela fosse corrompida quando a sociedade sabe que não é verdade. Há um sistema político corrupto no Brasil”, disse.

E conclui: “Seria uma imensa contribuição se a Operação Lava Jato servisse para denunciar esse sistema de corrupção e detalhar esse esquema. Mas na medida em que só tem por objeto perseguir um segmento político que participa desse sistema ela se desnatura juridicamente e perde a essência institucional e democrática”.