Economista vê casuísmo e tentativa de criminalizar política fiscal

“Uma grande armação, uma farsa”. Assim o economista Paulo Kliass classificou o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Para ele, sem motivos que justifiquem o afastamento, a oposição à presidenta age de forma casuística, em uma tentativa de criminalizar a política fiscal do governo. “É golpe porque você tem toda a formalidade, o rito, mas o objeto fundamental do impeachment, que é o crime de responsabilidade, não existe. É como condenar alguém por homicídio quando ninguém morreu”, afirmou.

impeachment - Roque de Sá/Agência Senado

Por Joana Rozowykwiat

Kliass elogiou o discurso da presidenta Dilma Rousseff no Senado, nesta segunda-feira (29). E, apesar de avaliar que os contrários a Dilma têm estado na defensiva e ignorado os aspectos objetivos da denúncia, para ele, a sessão que julga em definitivo o processo de impedimento não passa de “jogo de cena”.

“Dilma foi incisiva. Não ficou receosa de responsabilizar Eduardo Cunha; de acusar uma aliança oportunista da oposição liderada pelo PSDB que se apoiou politicamente no que há de mais podre na política nacional. Chamou o golpe de golpe e recuperou a proposta do plebiscito. Mas os senadores já estão decididos. Eles querem apear a Dilma e não estão nem ouvindo os argumentos”, opinou.

Sem argumentos

O economista lembra que, das acusações elencadas pela oposição à presidenta, só duas restaram ao fim do processo – assinatura de três decretos de abertura de créditos suplementares e atraso no repasse de recursos do Plano Safra ao Banco do Brasil.

Mas mesmo estas a defesa conseguiu desmontar. “Com relação ao Plano Safra, não existe uma responsabilização da figura da presidenta, porque a legislação diz que isso é uma atribuição do Ministério da Fazenda e do Conselho Monetário Nacional. Também está provado que não foi uma operação de crédito”, avaliou Kliass.

Além disso, Dilma tinha autorização para a abertura de créditos suplementares. “Desde 1992 está dito que é preciso uma autorização legal, algo reforçado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Justamente por isso, todo ano, quando o governo manda a Lei Orçamentária Anual (LOA) ao Congresso, já tem sempre um artigo dentro dela dizendo que esta lei autoriza o crédito de suplementação. Então, desde sempre, todos os presidentes, FHC, Lula, todos fizeram isso”, afirmou.

Os apoiadores do impeachment, portanto, não teriam conseguido provar a existência de crime de responsabilidade. “Está evidente que está tendo uma grande armação, uma grande farsa. Então eles ficaram recuperando o tempo todo que o problema é o conjunto da obra. Só que nenhum presidente pode ser afastado pelo conjunto da obra”, disse, reiterando o que a própria Dilma tem alegado.

Criminalizar a política econômica

Ela apontou que, do ponto de vista da dinâmica econômica, o que a oposição estava tentando fazer desde o início é criminalizar a política fiscal. “Mas, se fosse para ser assim, uma série de outros atos de prefeitos e governadores – porque isso vale para qualquer chefe de executivo – teriam que ser também responsabilizados pela mesma coisa, o que não é o caso”, citou.

Em depoimento no Senado, o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa também acusou a estratégia da oposição. "O movimento de criminalização da política fiscal, além de levar a um fato grave, que é o impeachment sem base, prejudica a população brasileira (..) O governo fica impedido de atuar, devido à criminalização da política fiscal que vem sendo realizada nos últimos anos", disse à época.

De acordo com Kliass, caso seja levada ao pé da letra a acusação, o país estará diante da impossibilidade de levar a cabo políticas fiscais anticíclicas. “É uma forma de criminalização das alternativas keynesianas de superação de impasse na economia”, criticou.

Significa dizer que restaria o caminho da austeridade, algo que o governo interino já tenta impor sem o aval das urnas, com cortes em direitos sociais e garantias constitucionais. O economista, contudo, lembrou que até o Fundo Monetário Internacional já reconheceu o equívoco de se implementar medidas de austeridade fiscal em uma conjuntura de recessão, como a atual.

Mídia e sistema financeiro no golpe

Para o economista, o fato é que, desde a derrota em 2014, a oposição articula uma forma de voltar ao poder. “Tentaram uma medida casuística atrás da outra, com a intenção política pré-determinada de derrubar a Dilma. E foram cavando o caminho para tentar consolidar essa hegemonia”, disse.
Paulo Kliass analisou que, para consolidar este objetivo, contaram com o apoio decisivo da mídia tradicional e do sistema financeiro – “que fecharam uma posição de que era preciso inviabilizar o governo”.

Depois de mais de um ano de fritura, o julgamento chega ao fim em uma sessão em que a própria presidenta, sua defesa e aliados pareciam falar para ouvidos moucos. Para o economista, os discursos tinham mais como foco a população que assiste pela TV Senado e a mídia internacional, que, em geral, tem reconhecido a arbitrariedade do impedimento.

Na avaliação do economista, o maior prejuízo de todo esse processo recai sobre o povo e democracia brasileira. “Vai ficar como uma grande derrota para nossa infantil democracia. Em poucos anos, pós-Constituição 1988, você já tem o segundo caso de impeachment – e este flagrantemente uma saída casuística, sem embasamento legal, confundindo completamente o regime presidencialista com o parlamentarista”, lamentou.

Triste lição

Ao encerrar a entrevista, Kliass defendeu que este doloroso episódio da história brasileira deve servir de lição. “Fica como um triste aprendizado de que, se não enfrentarmos a questão da democratização da mídia e de uma maior presença do Estado como regulador do sistema financeiro, isso acaba comprometendo na raiz o processo democrático e, no caso, vai até propiciar um retrocesso enorme do ponto de vista do Estado de bem-estar social e das conquistas desses últimos 13 anos”, afirmou.

De acordo com ele, os governos petistas subestimaram o poder desses setores e tiveram a “ilusão” de que, ao concederem agrados a eles, conseguiriam seu apoio. “Mas, no momento em que a mídia teve que escolher um lado, ficou do lado do capital. O mesmo com o financismo. Houve conivência com spreads abusivos, com o Brasil sendo campeão mundial da taxa de juros e, quando o capital financeiro teve que fazer sua opção, ficou ao lado do golpe”, encerrou.