A necessária democracia no futebol e na sociedade

No momento em que brasileiros saem às ruas do país para defender a democracia, a torcida corintiana conseguiu uma importante vitória para a sua democracia interna: derrubou o “chapão”. Um protesto de torcedores forçou os conselheiros a reverem o sistema eleitoral do clube.

Por Penélope Toledo*

Eleição no Flamengo

Antes, os 200 conselheiros pertenciam à mesma chapa, o “chapão”, ou seja, eram todos do mesmo grupo político e não havia oposição interna na direção do clube. Com a mudança, o conselho deliberativo será composto por diferentes chapas, cada qual com 25 integrantes.

O rival São Paulo também tem tido problemas com a sua democracia interna. Recentemente, a assembleia geral de sócios autorizou uma reforma no estatuto e ratificou mudanças feitas sem assembleia desde 2003, dentre as quais, a aprovação da reeleição para o terceiro mandato do ex-presidente Juvenal Juvêncio, em 2011. A decisão, entretanto, ainda pode ser anulada pelo STF, a exemplo do terceiro mandato de Juvêncio.

Quem vota

A falta de democracia não está apenas em quem é eleito, mas também na pouca expressividade de quem elege. Dos cerca de 40 milhões de torcedores do Flamengo, segundo as pesquisas, apenas 2.753 votaram na eleição de 2015. Mesmo que todos os associados votassem, seriam 7.200 flamenguistas escolhendo quem vai tomar as decisões do interesse de 40 milhões.

Para efeito comparativo, vale ressaltar que em sua eleição de 2015, o Barcelona teve 109.367 sócios aptos para votar. Este colégio eleitoral equivale ao da cidade de São Caetano do Sul, no ABC Paulista, que teve 124.290 eleitores nas eleições presidenciais de 2014.

A eleição do arquirrival Vasco da Gama foi ainda mais polêmica: a chapa de oposição denunciou irregularidades eleitorais e acusou o “sumiço na madrugada” do nome de 160 apoiadores seus da lista de votantes. Eurico Miranda, reconduzido à presidência, também foi acusado de distribuir títulos de sócios, suspeita gerada após 1.730 pessoas se associaram em um dia.

No contra-ataque

Embora estejam aquém de seus/suas 6 e 5,6 milhões de torcedores, Grêmio e Internacional, respectivamente, se destacam pelo número de votantes. Os dois clubes praticamente monopolizam o ranking das maiores eleições com participação direta de sócios, que tem também Atlético-PR e Sport (Recife).

O Colorado protagonizou em 2014 o maior pleito de clube do Brasil, com 21.292 votantes. Se todos os 64 mil sócios aptos a votar, votassem, seria a maior eleição de clube do mundo, superando os 57 mil do Barcelona em 2010. Vale ressaltar que desde a década de 2000, sócio torcedor tem direito a voto – como também é no Sport, Fluminense, Bahia, Coritiba, Botafogo.

Outro ponto forte da democracia interna dos dois principais clubes gaúchos é a cláusula de barreira nas eleições do Conselho Deliberativo, que foi reduzida para 15%, facilitando que os torcedores, além de votar, possam ser votados.

A necessária democracia

Sócios proprietários devem decidir sobre o clube social, não sobre o clube de futebol, pois nem todos torcem. É importante dar aos torcedores o protagonismo nas decisões. Nós é que devemos escolher quem definirá as contratações e negociações de jogadores e técnicos, preço dos ingressos, patrocínios, uniforme, relação com as federações e com a mídia e outras questões que nos afetam.

A mesma coisa no país. Nós, que somos afetados pelas políticas públicas, temos o direito constitucional de eleger quem vai nos representar e definir/implementar tais políticas. E a nossa escolha tem que ser respeitada!

Infelizmente, a falta de democracia interna dos clubes, em que poucos escolhem por muitos, está se repetindo na sociedade, onde uma presidenta que teve o voto de 54,5 milhões de brasileiros está sendo arbitrariamente deposta, apesar de não ter cometido crime de responsabilidade. A defesa da democracia, no futebol e na sociedade, se faz necessária.