A bancocracia brasileira 

No entender do advogado Wilson Donizeti Liberati, expresso no artigo “Prioridade absoluta”, “enquanto não existirem creches, escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e emergencial às gestantes, dignas moradias e trabalho, não se deveriam asfaltar ruas, construir praças, monumentos artísticos etc, porque a vida, a saúde, o lar e a prevenção de doenças são mais importantes que as obras de concreto que ficam para demonstrar o poder do governante”.

Por Marcos Fabrício Lopes da Silva* 

Bancos na Lava Jato

Encontra-se explícita neste parecer uma merecida crítica à “política do pão e circo” que afeta a gestão político-administrativa brasileira. Esta prática é bastante antiga e remonta aos tempos do Império Romano.

A “política do pão e circo” (panem et circenses, no original em latim) era o modo pelo qual os líderes romanos lidavam com a população em geral para mantê-la fiel à ordem estabelecida e conquistar o seu apoio. Este termo tem origem na Sátira X, do humorista e poeta romano Juvenal e, no seu contexto original, criticava a informação do povo romano, que não tinha qualquer interesse em assuntos políticos, e só se preocupava com o alimento e o divertimento.

O constrangimento imposto às atividades relacionadas ao saber nas rodas sociais, por conta da super-oferta do “angu do vulgo”, levou o filósofo Roland Corbisier a ressaltar, no livro Consciência e Nação (1950), que “tudo conspira contra essa interiorização da vida. As facilidades, os divertimentos, os espetáculos, multiplicam-se em proporções jamais conhecidas, permitindo ao homem, sem esforço e sem risco, esquecer-se e fugir constantemente de si mesmo. O divertimento é o grande itinerário de fuga e de evasão. A margem de tempo que outrora existia entre o trabalho e a diversão, permitindo o florescimento da vida própria, da vida interior, desapareceu, devorada por um trabalho que enerva e extenua, não deixando no homem outra exigência senão a de narcotizar-se com os espetáculos e os prazeres. Depois de terem ganho o pão, encaminham-se todos para o circo. Não se recolhem mais”.

Como disse o sociólogo Ralf Dahrendorf em sua obra A lei e a ordem (1987), “uma vez que a sociedade aberta tenha se fechado, esta deixa de ser a questão. Sob o domínio do totalitarismo, existem duas visões claras: a obediência e a oposição”. O lado da oposição crítica representa a verdadeira inteligência. O perigo se encontra com os mandos e desmandos dos fortes e poderosos, sabiamente disfarçados e com mecanismos sofisticados para manter o status quo.

Durante a Idade Média, quando as taxas de juros eram tão elevadas que fizeram com que Tomás de Aquino afirmasse pecunia pecuniam patere non potest, ou seja, dinheiro não pode parir dinheiro; todas as forças da consciência se levantaram contra a agiotagem.

A equipe econômica continua propondo a elevada taxa de juros – 14,25% ao ano – como solução para os problemas do capitalismo brasileiro. De acordo com o site Trading Economics, que avalia as taxas aplicadas atualmente por 150 países, o Brasil tem a 14ª taxa de juros mais alta do mundo.

O Comitê de Política Econômica do Banco Central (Copom) justifica a necessidade de manter elevada a taxa de juros a partir da seguinte linha de raciocínio: quanto maior a taxa, menos pessoas tomam empréstimos, menos dinheiro circula, o consumo diminui, a inflação se contém e a poupança aumenta. Acontece que foi interditado na ordem do discurso governamental aquilo que não é, definitivamente, um mero detalhe.

A inversão da moral capitalista

Com a palavra, o saudoso senador (PT-DF) e economista Lauro Campos, em Crise, desemprego e destruição: o capital na UTI (2003):

“É impossível a qualquer atividade econômica sobreviver pagando esses juros absurdos […] Isso por quê? Porque existe uma bancocracia, porque os banqueiros lucram com o aumento da taxa de juros. Se houvesse trabalhadores ou pessoas que vissem o mundo com os olhos do trabalho, estariam, obviamente, preocupados com o aumento dos salários, com mais conquistas sociais para os trabalhadores. Mas quem está no comando são os representantes do capital financeiro internacional, da última etapa do capitalismo, o imperialismo financeiro, o mais agressivo, o mais inútil, a mais destrutiva de todas as formas de capitalismo que a sua história já conheceu. Portanto, é óbvio que as lutas têm de aumentar. Mas essa cavalgada não pode ser eterna. Não sobrará pedra sobre pedra se esse processo tiver continuidade.”

Durante muito tempo, os bancos não tiveram muita importância: o que importava era o consumo da população. O teórico da mão invisível do mercado, Adam Smith, em A riqueza das nações (1776), já ressaltava: “O que limita a produção é o consumo.” A “marolinha” chamada Grande Depressão de 2008, evidenciada a partir da crise no mercado imobiliário estadunidense, fez com que o Brasil, em nome do combate à inflação, mantivesse a elevada taxa de juros, alegando que era para limitar o consumo. Para isso, desempregaram-se funcionários, achataram-se salários, aumentaram-se os impostos e conservaram-se os juros nas alturas.

Voltamos à Idade Média: consumir é pecado. Enquanto isso, a soma do lucro registrado, em 2013, pelo Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e Banco do Brasil chegou à marca de US$ 20,5 bilhões, superando o Produto Interno Bruto (PIB) de 83 países, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).

O Estado está nas mãos do mercado. Os bancos ganham dinheiro, emprestando muito ao governo e pouco às empresas e pessoas físicas. E pior: apesar dos altos lucros, os bancos estão classificados como instituições próximas do calote por terem o desempenho associado à enorme dívida nacional. Ou seja, Bertold Brecht parece ter razão ao inverter a moral capitalista, na Ópera de Três Vinténs, peça de 1928: “O que é assalto a um banco, se comparado com a fundação de um banco?”