“Essa não é uma crise do setor público, é do setor privado”

A causa da crise brasileira não é fiscal, como alardeiam alguns economistas e o atual governo provisório. A opinião é de Felipe Rezende, professor assistente do departamento de Economia de Hobart e William Smith Colleges, em Genebra. “Essa não é uma crise do setor público, é uma crise do setor privado”, defendeu, em audiência no Senado, na terça (16). A partir deste diagnóstico, ele avalia que um ajuste fiscal – como propõe o interino Michel Temer – não é a solução para os problemas do país.

Audiência CAE Senado

Rezende participou de audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, que limita o crescimento de gastos primários do governo à variação da inflação do ano anterior (veja vídeo abaixo). 

Segundo o economista, a medida – que promove um ajuste estrutural, revogando direitos e garantias previstos na Constituição – surge como uma resposta à trajetória da dívida pública, que cresceu.

De acordo com ele, contudo, há um erro de diagnóstico no Brasil, e a crise atual não seria causada por problemas fiscais, como atestam os que apontam a condução da política econômica nos governos Dilma Rousseff – a chamada nova matriz econômica  – como a grande responsável pelas dificuldades de hoje.

O professor informou que, em um estudo finalizado este ano, ele constatou que a situação das empresas do setor privado brasileiro vinha se deteriorando desde 2007. A partir daquele ano, exceto em 2009, estas companhias “obtiveram déficits crescentes em suas contas, isto é, os lucros retidos foram menores que os investimentos”, escreveu no Valor.

De acordo com ele, houve forte queda na rentabilidade das empresas e os problemas do setor privado terminaram por colocar pressão sobre o orçamento público.

“A partir de 2011 há uma forte queda da rentabilidade das empresas, principalmente da indústria, afetando a acumulação interna de lucros e o retorno esperado do investimento. Esta queda da rentabilidade foi causada, entre outras coisas, pela queda dos lucros agregados, elevação das despesas financeiras – em função do maior endividamento e elevação das taxas de juros no mercado doméstico – e pela forte desvalorização cambial”, afirmou, no jornal.

O quadro teria afetado diretamente as decisões empresariais, reduzindo a expectativa de ganhos futuros e a capacidade de financiamento de novos investimentos. “As empresas privadas no Brasil, as não financeiras, estiveram uma posição de endividamento líquido tão significativo, que esse processo foi revertido e colocou pressão sobre os déficits públicos, como esperado em momentos como este. Hoje o país tem uma crise de solvência do setor privado”, constatou Rezende, no Senado.

Nesse sentido, ele avaliou que o país precisa “adotar medidas para contribuir com a geração de fluxo de caixa dos agentes no curto prazo, como, por exemplo, a correção da tabela de imposto de renda, a diminuição dos impostos dos lucros retidos e dos impostos sobre a produção, e a substancial redução da taxa de juros praticada pelo Banco Central”.

Para Rezende, é preciso retomar o programa de investimentos públicos em infraestrutura e o programa Minha Casa Minha Vida. “Em suma, a crise brasileira é diferente das demais. É fundamental implementar políticas apropriadas para períodos de desalavancagem do setor privado. A causa da crise brasileira não é fiscal. (…) Para consertá-la o ajuste fiscal não resolve”, advogou.

Em sua apresentação na CAE, ele analisou que, em vez de enfatizar a “obsessão” pelo equilíbrio fiscal, forçando a economia a se ajustar ao orçamento do governo, o governo federal deve considerar como as políticas fiscal e monetária devem ser formuladas para garantir o pleno emprego e a estabilidade de preços.

E advertiu que, com as novas regras previstas na PEC 241, o governo limita substancialmente os investimentos públicos ao longo dos próximos anos e perde importantes "armas contracíclicas" para enfrentar a queda dos gastos privados durante uma recessão.

Rezende ressaltou ainda que as políticas de austeridade, como as propostas por Temer, têm sido condenadas pelo próprio Fundo Monetário internacional, que recentemente fez uma autocrítica em relação à receita que sempre impôs aos países.

“Os países em que essa tentativa de ajuste fiscal foi feita falharam em promover recuperação econômica. O FMI acabou de soltar um relatório fazendo mea culpa, reconhecendo os erros das políticas implementadas na Irlanda, em Portugal e na Grécia, dizendo que as políticas de ajuste estrutural pioraram a situação econômica, e a recessão aprofundou o desemprego. E isso gerou uma perda social maior que os ganhos esperados no ajuste fiscal”, disse, mencionando que os dados são de junho de 2016.

O economista também destacou o papel do banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). Em outro artigo, este publicado na Folha de São Paulo desta quarta (17), ele escreveu que “soa insensato que a redução do papel do BNDES seria benéfica agora, quando é urgente retomar os investimentos”.

Durante sua fala no Senado, Rezende sublinhou também que o próprio FMI reconhece que, se não fosse o BNDES, o endividamento externo das empresas seria maior ainda.

“O relatório do FMI reconhece o papel fundamental do BNDES em reduzir uma fragilidade histórica da economia nacional, que era o endividamento externo. O banco oferece basicamente empréstimos em moeda local, esse é um fator de estabilização para a economia como um todo, e isso não pode ser ignorado no debate”, disse.