Felipe Bianchi: O futebol feminino contra os boçais

Milton Neves causou controvérsia nas redes sociais, nesta terça-feira (16), ao fazer galhofa do futebol feminino em seu Twitter. Nas postagens, Milton Neves comparou a modalidade a “um gordo comendo salada”, o que segundo ele seria “sem graça”, além de dizer que as mulheres são “sublimes” em tudo, menos no futebol.

Por Felipe Bianchi*

Discriminação contra a mulher no futebol teve apoio até de "cientistas" - Roberta Cardoso

Foi chamado de machista e misógino por uns, mas exaltado por outros, como é praxe no polarizado mundo das mídias sociais brasileiras. Desatado o bate-boca, seria interessante fazermos um necessário exercício de reflexão para entender porque a manifestação do jornalista foi, sim, infeliz e não somente ofende as mulheres que amam o futebol, mas fomenta a ignorância e a intolerância em tempos de cólera.

Não deveria ser difícil entender, mas há uma diferença abissal entre uma pessoa não considerar o futebol feminino vistoso e o Milton Neves, formador de opinião de milhões de brasileiros, achincalhar e esculhambar a modalidade.

Lugar de mulher é onde ela quiser, e campos de futebol não faltam em nosso país. O que falta é interesse político de instituições como a Confederação Brasileira de Futebol e federações regionais em estimular o futebol feminino. O que falta é a Rede Globo, emissora que monopoliza os direitos de transmissão do esporte mais popular do Brasil, considerar o desenvolvimento e a visibilidade do futebol feminino tão importantes quanto o interesse comercial em transmitir apenas os jogos masculinos de meia dúzia de times grandes da série A.

Na Alemanha, por exemplo, os direitos de transmissão dos jogos de primeira divisão masculina são negociados em um pacote no qual há uma cota obrigatória de jogos femininos a serem exibidos. Assim, a (s) emissora (s) que vence (m) a concorrência tem como contrapartida promover a modalidade, despertando o interesse pelo esporte e estimulando a sua estruturação. Parece que o 7 a 1 também goleia o machismo, não é mesmo?

E se a seleção feminina tivesse atropelado a Suécia e avançado em busca do ouro? Estariam todos exaltando o feito das meninas ou fazendo chacota com a suposta falta de qualidade técnica da modalidade – o futebol jogado por varões no Brasil vai muito bem, na visão destes, ao que parece.

O que Milton Neves escancara em suas piadas é a total falta de respeito e entendimento, no debate público, da importância de estimular não só o futebol feminino em si, mas o tema do direito de as mulheres ocuparem o espaço que bem entenderem – sem terem de ser sublimes aos olhos de um figurão da crônica esportiva ou de revoltados online.

Não bastasse a falta de investimento, de interesse e de vontade política para que avance o futebol feminino, as garotas ainda têm de lidar com piadinhas chucras de boçais em redes sociais, para os quais o “feminismo é mimimi” ou discutir política e igualdade de gênero ou raça é “ditadura do politicamente correto”.

Ninguém é obrigado a achar exuberante o futebol praticado por meninas que treinam com paixão e dedicação para superar as condições desfavoráveis da profissão que exercem, diferente dos luxuosos e milionários craques do futebol masculino de elite. Não precisa sequer gostar de assistir às partidas, ainda que o faça apenas de quatro em quatro anos, em Jogos Olímpicos – nem o campeonato mundial interessa quando é a vez delas, certo?

Mas respeitá-las é imperativo. Milton Neves não o fez. Pode, sim, como qualquer um, não apreciar o jogo performado pelas garotas ante a Suécia, ou Austrália, ou África do Sul, ou China. Mas seu papel enquanto comunicador – a não ser que assuma-se de vez um homem devotado apenas ao marketing e ao entretenimento – torna-se nocivo quando o utiliza para transformar em piada a pouca dignidade que é concedida ao futebol feminino do Brasil.