Audálio Dantas: Não é só uma foto. É uma história

Foi em 1980, quando, como deputado federal, participei da primeira delegação de parlamentares brasileiros a Cuba, depois do rompimento de relações diplomáticas, pelos militares do golpe de 1964.

Por Audálio Dantas*

Fildel Castro e Audalio Dantas - Foto: Arquivo pessoal de Audálio Dantas

Estávamos em plena ditadura. A viagem, por conta de cada um dos participantes da delegação, foi organizada por Fernando Morais, então deputado estadual de São Paulo, e reuniu parlamentares do único partido de oposição, o MDB. Entre outros, Geraldo Siqueira, Ralph Biasi, Sérgio Santos, Cristina Tavares e até o Roberto Freire…

Estava prevista uma audiência com Fidel Castro, mas sem data marcada. Enquanto se esperava, uma vasta programação era cumprida em Havana e em outras cidades, entre as quais Santiago de Cuba e, lá, o quartel de Moncada, marco da Revolução que acabara com o reinado de Fulgêncio Batista.

Várias vezes foi anunciada – e não realizada – a audiência com Fidel, que seria no palácio presidencial. Muitos dentre nós já não acreditávamos que o encontro acontecesse. Mas, explicavam atenciosos membros do governo, era assim mesmo, Fidel já escapara de dezenas de atentados, todo cuidado era pouco.

Até que um dia, já anoitecendo, um recado de Cervantes, um diplomata que mais tarde ocuparia um posto no Brasil: que todos permanecessem no hotel, pois o encontro poderia ser naquela noite.

Lá pelas onze, o grupo foi convidado a aguardar num dos salões do hotel, um antigo estabelecimento de jogatina. Às onze e meia, finalmente, foi anunciado:

“El comandante ha llegado!”

Abre-se uma porta e eis a figura de Fidel, com seus quase dois metros de altura, acompanhado de um ajudante de ordens. Antes de qualquer palavra, ele tira o revólver da cintura, deposita sobre um piano no canto do salão, e então saúda a todos:

“Buenas noches, sean bievenidos a Cuba.”

Em seguida cumprimenta cada um dos visitantes com um aperto de mão.

Aí está explicada essa foto, mas a história continuaria, entre mojitos, daiquiris e charutos para quem quisesse. Sem cerimônia, Fidel ocupou o centro da mesa, deu as primeiras baforadas de charuto e começou o papo.

Respondeu a todas as perguntas, sempre com longas e bem-humoradas respostas. Estava visivelmente feliz: dias antes, em resposta a uma das fugas de opositores do governo para Miami, uma manifestação reunira mais de um milhão de pessoas em Havana, a “Marcha del pueblo combatente”.

O papo correu pela noite. Até às quatro da manhã.

*Audálio Dantas é jornalista, escritor e curador cultural