Temer: políticas de saúde pobres para os pobres

A proposta de criação de planos “populares” é uma opção liberal em linha com a recomendação de instituições como o Banco Mundial, que concebe saúde como “ausência de doença” e conduz à privatização do setor. O exemplo da Colômbia mostra que não foram resolvidos os problemas de desigualdade de acesso aos serviços de saúde.

Gustavo Bonin Gava, no Brasil Debate

SUS

De acordo com uma recente matéria divulgada pela imprensa, o atual Ministro da Saúde, Ricardo Barros, defende a implantação de um plano de saúde “popular”, no qual os usuários teriam acesso a um conjunto menor de serviços de saúde ofertados pela cobertura mínima exigida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Seu baixo custo representaria uma melhora na sustentabilidade financeira do Sistema Único de Saúde.

A proposta caminha na contramão ao texto constitucional de 1988, em que a saúde passou a ser entendida como “direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

A leitura atenta nas declarações do atual Ministro não deixa dúvidas quanto ao processo de desmantelamento do SUS. A criação de um plano “popular” de serviços de saúde é a rejeição das propostas anteriores da possibilidade de que o Estado possa oferecer a todos os cidadãos serviços de saúde de qualidade e eficiência, perdendo-se a concepção de saúde como direito de cidadania. Em seu lugar é maximizada a perspectiva econômica, de custo-efetividade de ações e serviços de saúde. Em última instância, reitera-se a participação do mercado privado de planos e seguros como expoentes na resolução de questões de saúde, transformada em mera mercadoria, passível de ser reproduzida de forma linear, armazenada e investida.

Essa opção liberal está em linha com a recomendação das Instituições Multilaterais (como, por exemplo, o Banco Mundial) que concebe saúde como “ausência de doença”. O propósito é subordinar o setor aos imperativos da “austeridade” econômica. Em nome da “eficiência” e da “eficácia” – mantras neoliberais repetidos exaustivamente pela atual equipe econômica do Governo Interino –, os gastos são rebaixados para patamar residual. A medicina privada é transformada em baluarte contra a “ineficiência” do Estado e, por consequência, do sistema público e universal de saúde.

Esse pacote de serviços de saúde “populares” conduz à privatização total do setor, desde o controle dos fundos públicos pelo capital financeiro até a expansão dos seguros privados de saúde como alternativa viável ao sistema público. A mercantilização da saúde será alcançada em todas as esferas que possam ser capturadas pelo setor privado para ampliar sua lucratividade.

O Ministro da Saúde omite-se quanto ao fato de que o SUS sofre de crônica insustentabilidade financeira derivada do seu subfinanciamento histórico[4]. Apenas como exemplo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)[5], em 2013, os gastos totais em saúde no Brasil, foram de 9,7% do PIB, contudo, mais da metade (51,8%) sãos gastos de ordem privada, ou seja, o SUS é subfinanciado, acarretando graves problemas em sua gestão. A ampliação de mercados privados colaboraria para a ampliação das inequidades de acesso aos serviços e ações ofertados pelo SUS.

As experiências internacionais de países que optaram pela “cobertura universal” aos modelos propostos pelo Banco Mundial, e que estão sendo discutidas pelo Ministério da Saúde em conjunto com a ANS, são frágeis e não podem servir de “modelo” para a construção de uma nação menos desigual. A Colômbia, por exemplo, com o seu Sistema Geral de Seguridade Social em Saúde (SGSSS), é uma experiência inconclusa e ineficaz, sobretudo, na resolutividade de problemas de inequidade de acesso aos serviços e ações de saúde[6].

O sistema colombiano é integrado por quatro segmentos:

1.O Plano Obrigatório de Saúde (POS), financiado por empresários e empregados do setor formal do mercado de trabalho;

2.O Plano Obrigatório de Saúde Subsidiado (POS-S)[7], financiado e ofertado pelo Estado para as classes sociais de mais baixa renda, excluídas do mercado de trabalho formalizado. Foram definidos pacotes mínimos básicos de serviços obrigatórios aos mais pobres, assim como pressupõe a ideia do atual Ministro. Ou seja, a ideia é oferecer políticas de saúde pobres para os pobres.

3.O Regime Especial (RE), dirigido aos servidores públicos.

4.Finalmente, membros das classes sociais de mais elevada renda podem optar pelo sistema privado de saúde.

Desde sua implantação, em 1993, o SGSSS aumentou a cobertura, atingindo atualmente 96% da população colombiana. Entretanto, as desigualdades entre os “pacotes” de serviços e do acesso devido a barreiras econômicas foram exacerbadas. Em 2007, por exemplo, apenas 28% dos usuários do Plano Obrigatório Subsidiado (POS-S), que abrange 48% da população colombiana, tinha uma consulta médica para controle de diabetes. Esta proporção era muito maior entre os usuários de outros planos – 64% para os usuários do Regime Especial (RE) e 59% para os usuários do Plano Obrigatório de Saúde (POS). O mesmo problema na desigualdade do acesso persiste para outras especialidades[8].

Portanto, as reformas baseadas na agenda neoliberal não apresentaram avanços significativos na Colômbia para a resolução dos problemas de desigualdade de acesso aos serviços de saúde, prejudicando-se a consolidação da saúde como direito social – conforme estabelecido na Constituição Colombiana de 1991.

Finalmente, uma proposta de planos de saúde “populares” como supõe o Ministro da Saúde – observada sua implantação no caso colombiano –, não pode ser elencada como uma política pública de saúde que enfrente os grandes desafios do SUS, tampouco oferece um horizonte de justiça social. Mas o propósito não é consolidar o Estado Social. O propósito é implantar o Estado Mínimo Liberal em conformidade com as regras definidas pelo establishment internacional.