Estado compactua com violência no campo, dizem debatedores 

A primeira semana de agosto no Congresso – com o reinício dos trabalhos legislativos – foi marcada por discussões importante para a agricultura familiar com a realização de audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara sobre a violência no campo. Os debates apontaram a impunidade como a causa dos conflitos no campo, o que há muitos anos vem sendo denunciado pelos movimentos sociais.
 

Estado compactua com violência no campo, dizem debatedores - Agência Câmara

O coordenador da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), Marcos Rochinski, atesta que o número de crimes é assustador. “Nosso País tem um histórico de assassinatos no setor rural e apenas 10% deles são julgados e os demais prescrevem. Não é possível conviver numa Pátria que deseja ser desenvolvida e deixar trabalhadores morrerem em função da terra que é de direito e que usa para o plantio”.

O relatório Conflito no Campo Brasil – lançado em abril de 2016 pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) – traz os dados gritantes sobre a violência no campo. Em 2015, 50 pessoas foram assassinadas no campo, o maior número de vítimas desde 2004, e 39% a mais do que em 2014, quando foram registrados 36 assassinatos.

Para o representante da CPT de Rondônia, padre Afonso Maria das Chagas, esse crescimento “reflete não só o avanço do agronegócio com sua sanha por abocanhar terras públicas, mas evidencia a conivência do Estado”. Prova disso, na opinião do padre, é a “enxurrada de liminares” para retirar assentados de terras públicas.

Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) também denunciaram a ação do Estado contra os movimentos sociais. O representante do movimento no Paraná, Rudmar Moeses, afirma que no Estado não enfrenta milícias pagas por fazendeiros, o “aparelho repressor do Estado é que comete a violência”.

O deputado Nilto Tatto (PT-SP) ressalta que o agronegócio foi eficiente em se vender como moderno e convencer de que o destino do Brasil é ser celeiro do mundo. Entretanto, ressalta, “tem um braço armado que está matando quem quer um pedaço de terra para produzir alimento sadio e mais barato”.

Falta de prioridade

O chefe adjunto da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, João Akira Omoto, concorda que não faltam recursos estatais para solucionar os conflitos pela terra. “Há falta de prioridade para tratar das ações de combate à violência no campo”, diz.

Omoto relatou que levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que apenas 7,5% dos casos de homicídio no campo foram julgados entre 2005 e 2008. “A Justiça deveria determinar ações para mudar esse quadro”, reivindica.

Para o procurador, esses dados mostram também a existência de uma violência simbólica do poder público contra os trabalhadores rurais. “O Estado sequer produz dados sobre essa chaga, e, por não conhecer a violência no campo, também não produz políticas públicas para combatê-la”.

Papel do Judiciário

Presidente da CDH e um dos autores do pedido de realização do debate, o deputado Padre João (PT-MG), destacou que esses fatos demonstram a necessidade de se discutir o papel do Judiciário e como setores da Justiça têm sido parciais. “Por um lado temos trabalhadores presos, alguns que estavam mediando conflito, e, por outro, a impunidade dos matadores, já que só 7,5% dos inquéritos são concluídos”, pontua.

Padre João acredita que as instituições devem honrar a natureza de sua existência ou também vão cair no descrédito e concorrer para o fim da democracia. “Ela já está ameaçada, uma vez que quem deveria representar o povo não representa”.

Criminalização dos movimentos sociais

O debate também abordou a intensificação da criminalização dos movimentos sociais. O representante do MST em Goiás, Luiz Zarref, destacou que este ano a Justiça já decretou a prisão de quatro integrantes do movimento com base na lei que tipifica organizações criminosas.

O secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber César Buzatto, afirma que esse processo se estende a lideranças indígenas e a defensores dos interesses dos índios. Demonstração disso, segundo ele, são medidas como a Proposta de Emenda à Constituição 215 e a CPI da Funai (Fundação Nacional do Índio), capitaneadas por deputados da bancada ruralista. A PEC 215 transfere para o Congresso a competência para demarcar terras indígenas.

O deputado Patrus Ananias (PT-MG), que também apresentou requerimento para debater a violência no campo, considera “muito grave” esse movimento de criminalizar os movimentos sociais. “Aprendemos com a História que direitos não caem do céu nem brotam espontaneamente da terra, são construídos nas lutas sociais”, ressalta.

Com a criminalização, na concepção do deputado, os agentes públicos querem criar uma ordem jurídica estanque, em que não haja mais possibilidade de se instituírem novas formas de convivência. “Isso é impedir a construção de novos valores sociais na busca de uma Justiça cada vez mais eficaz”.