Altair Freitas: "Escola" sem partido e a segunda morte de Sócrates

O grande filósofo ateniense Sócrates (469-399 a.C) deixou para a humanidade um legado fantástico em especial por ter sido dos primeiros pensadores a refletir sobre a realidade histórica na qual estava inserido, buscando identificar as características fundamentais da sociedade ateniense no século 5 a.C, suas contradições, insuficiências e potencialidades.

Por Altair Freitas*

A Morte de Sócrates - Jacques-Louis David, 1787

Sócrates vivenciou o auge e o declínio de Atenas na condição de um dos homens de maior proeminência daquela cidade-estado. Lutou nas guerras contra Esparta tendo sido general. Atenas foi derrotada após uma guerra que durou três décadas (431-404 a.C) o que perturbou profundamente a estrutura política democrática com o reaparecimento dos defensores de um sistema oligárquico comandado pelos mais ricos.

Por volta dos 40 anos, Sócrates dedicou-se ao ensino dos cidadãos, em especial junto à juventude buscando mostrar a seus interlocutores a necessidade de colocar em xeque suas ideias cristalizadas levando-os a questionar as verdades estabelecidas pelo senso comum predominante da moral vigente à estrutura política, o que evidentemente gerou insatisfações e resistência à ele é seu método de pensamento e ação, em especial pela nova camada dirigente oligárquica de uma decadente Atenas.

Diferente dos Sofistas, que ensinavam nas escolas atenienses um conhecimento congelado, enciclopédico, voltado para a decoração e repetição mecânica das informações disponíveis, Sócrates buscava o desenvolvimento do aprofundamento do conhecimento, valorizando a investigação e não a mera reprodução.

Seu método de ir diretamente ao povo para dialogar e propiciar aos seus interlocutores a reflexão sobre o que achavam que conheciam possibilitando enxergarem as contradições e insuficiências dos seu pensamentos sobre as coisas – das crenças religiosas à estrutura política vigente – trombava com a prática pedagógica que se fortaleceu no período de decadência de Atenas, voltada para educar a elite.para que ela com andasse o Estado.

Seus objetivos pedagógicos estavam voltados para a formação de cidadãos sábios, moral e eticamente elevados, estimulando a cooperação e a amizade, aptos ao exercício do poder e da convivência com os diferentes. Exerceu uma educação popular ao invés daquela voltada para fortalecer e preservar o poder da elite dominante.

Essa elite tratou de perseguir e condenar Sócrates através de um processo cheio de armadilhas e incongruências. Sócrates estava condenado antes mesmo de o processo começar e ele só serviu para dar ares de legalidade a uma torpe campanha de difamação contra o agora septuagenário pensador. Processado por zombar dos deuses, questionar o sistema político vigente, desvirtuar a juventude e ser um mal exemplo que deveria jamais ser seguido.

Condenado a escolher entre o exílio permanente e a morte por envenenamento , Sócrates se recusou a abandonar sua amada Atenas e viver a dor de nunca mais nela voltar. Não quis tão pouco fugir. Em 399 a.C, bebeu cicuta cumprindo assim a pena que lhe foi imposta. Seus discípulos fundamentais, notadamente Platão, resgataram seu pensamento e método de trabalho nos legando um poderoso acervo filosófico.

Sócrates foi vítima da turma que defendia uma "escola sem partido" na qual se ensinavam conceitos ultrapassados, acríticos, legitimadores de uma ordem política e social voltada para a preservação do poder por uma elite corrompida, concentradora de riqueza, mesquinha e egoísta. Defensores do "escola sem partido" entre nós tentam matar Sócrates novamente. Não passarão!

*Professor, membro do PCdoB e Secretário Executivo da Escola Nacional de Formação do Partido