Paula: "Acredito que o povo vai se animar e torcer pelo Brasil"

Maria Paula Gonçalves da Silva, um dos nomes mais conhecidos da história do esporte brasileiro, apelidada de Magic Paula (inspirado no ex-jogador americano Magic Johnson), no auge da fama nos anos 90, foi uma heroína do basquete feminino brasileiro. Hoje com 54 anos, ela foi a idealizadora do Instituto Passe de Mágica, que atende a mais de 700 crianças e adolescentes em São Paulo. Nos Jogos Olímpicos Rio-2016, Paula vai atuar como comentarista dos canais ESPN.

Paula - Foto: Reprodução

Em entrevista ao jornal cearense O Povo, Paula diz acreditar que quando os jogos começarem o espírito olímpico falará mais alto. Entretanto, ela reconhece as dificuldades e os desafios que o Brasil teve em planejar e estimular a “molecada” nas escolas e universidades. "Falta consciência de que o esporte é transformador".

Para a ex-jogadora, houve um maior investimento no esporte de rendimento e faltou um “programa pensado e executado por vários ciclos olímpicos”. “Ficaria muito mais fácil esta reorganização que considero fundamental para seduzir a criança e o jovem para a atividade esportiva lúdica. Assim, quando surgem os talentos, temos o espaço ideal para sua lapidação e, aí sim, podemos ser de verdade uma potência olímpica.”

O Ministério do Esporte aprovou em 2010 o Projeto Plataforma 2016, integrante do Programa Petrobras Esporte & Cidadania e apresentado pelo Instituto Passe de Mágica de Paula, e ela assumiu a direção executiva profissionalizada do Instituto.

Crise política

A gestora esportiva lamentou que o Brasil sedie os Jogos Olímpicos em pela crise política. Para ela, essa é uma “oportunidade de mostrar para o mundo o maior evento esportivo do planeta.” Entretanto, ela acredita que o povo brasileiro vai se animar e torcer pelo Brasil.

Paula disse ainda que os brasileiros precisam pensar que os atletas se dedicaram muito e estão preparando desde muito tempo para participarem deste evento. “Eles não são responsáveis pelo que temos visto no nosso país”, ressaltou.

Segue abaixo os principais trechos da entrevista:

OP – Nos últimos anos a gestão esportiva brasileira direcionou muitos investimentos ao alto rendimento sob a perspectiva de colher bons resultados rapidamente. Esse é o melhor caminho?
Paula: Quando se corre contra o tempo, talvez tenha sido a melhor fórmula encontrada por nossos dirigentes. Temos que estar atentos ao fato de que o investimento no esporte de rendimento, por si só, não basta. Ele deve ser um programa pensado e executado por vários ciclos olímpicos e isso exige planejar todas as instâncias do esporte. Eu mesma comecei brincando: o esporte na minha vida foi pura ludicidade, mas quantos podem chegar a viver e a sobreviver do esporte de ponta? Sem a atividade física e a experiência com as modalidades na escola, onde nossos jovens estão, a perspectiva de um futuro promissor fica comprometida. O equilíbrio entre estudar e ser atleta também é importante e o incentivo para que o esporte esteja vivo dentro das universidades também vai gerar um ganho fenomenal para o esporte de rendimento. Enxergo o esporte mais do que ser um campeão. Ele é muito importante para o desenvolvimento humano.

Os Jogos Olímpicos podem mudar a forma como o esporte é praticado nas escolas? Vai alterar a forma como se pratica esporte na infância no Brasil?
Este plano deveria correr paralelamente a todos os planejamentos que envolviam esta missão de sediar os Jogos. Não vejo como responsabilidade do COB (Comitê Olímpico do Brasil), mas sim na falta de diálogo com os demais atores envolvidos com esporte no País. Eu tive a oportunidade de ser gestora por uma década em um Centro Olímpico aqui em São Paulo e o grande desafio era seduzir a molecada a fazer esporte. O mundo evolui depressa e os jovens estão cercados pelo mundo digital e por uma vida virtual. O esporte exige demais, é algo sacrificante e só aqueles que suportam a pressão e a ausência de uma vida normal é que podem seguir o caminho dos grandes campeões no esporte. Falta consciência de que o esporte é transformador. Muitas vezes, para o mundo da educação, aquele jovem que gosta de brincar e de fazer esporte é também aquele que não gosta de estudar. Também sabemos isso por experiência na instituição a que me dedico há 12 anos, o Instituto Passe de Mágica, onde trabalhamos o esporte como educação. Ali, vemos como o esporte muda o comportamento da molecada na escola também. Sem um sistema esportivo para nosso país vamos continuar apagando incêndios e gastando além do que deveríamos.

A crise política pode de alguma forma interferir na forma como o brasileiro vai vivenciar esta Olimpíada?
É muito triste, neste momento em que o País tem a oportunidade de mostrar para o mundo o maior evento esportivo do planeta, estarmos vivendo uma crise política que gerou uma crise econômica e moral. Acredito que, quando os Jogos começarem, o povo brasileiro vai se animar e curtir o evento. O que precisa ficar claro é que nossos atletas se dedicaram e estão se preparando há anos para este momento e não são responsáveis pelo que temos visto no nosso País.

Como você viu a decisão do COI (Comitê Olímpico Internacional) em delegar às federações internacionais a suspensão ou não dos atletas russos depois do escândalo de doping?
Este é assunto que deve ser tratado com muita responsabilidade, porque está tomando um rumo que pode não ter volta e está longe dos valores de quem faz esporte de verdade.

Como você tem visto as críticas de algumas delegações às instalações da Vila na Rio-2016?
Acho normal que algumas coisas tenham escapado, mas tenho conhecimento como todos vocês pelo que vejo nos noticiários e acho que faltou cuidado nesta vistoria, sabendo que os atletas estavam chegando. Espero que até o dia 5 tudo esteja resolvido.

Qual ou quem você acha que vai ser o grande sucesso dessa Olimpíada? E qual o maior risco de vexame?
Para mim, o time americano masculino de basquete é sempre um sucesso. Sobre vexame, fica difícil responder, pois antes de qualquer coisa eu respeito a competição e os atletas que estarão competindo.

Você acredita que o Brasil vai conseguir atingir a meta traçada pelo COB de terminar a Rio-2016 no top-10 do quadro de medalhas?
É impossível prever esta meta, pois não estamos vendendo nada e sim dependendo de seres humanos que estarão nas pistas, piscinas, quadras… A performance de uma atleta em uma competição deste nível depende muito do estado mental. Estar bem fisicamente e tecnicamente não é sinônimo de sucesso, mas claro que uma boa preparação gera confiança e força mental. Vamos aguardar, pois, para mim e pelo que venho acompanhando, nossos possíveis medalhistas não podem reclamar da falta de estrutura e recursos financeiros. Só não posso dizer se foi um apoio no tempo necessário para um atleta trabalhar com tranquilidade, que deve ser a longo prazo, mas vamos torcer para que a meta seja atingida.

É ser muito otimista falar em medalha — de qualquer cor — do basquete do Brasil nesta Olimpíada?
Acredito que o masculino tenha mais chances, mas quero que o feminino mostre que eu estava enganada.

Como foi a conversa com o Fidel após vocês vencerem Cuba na final do Pan de Havana? (Na cerimônia do pódio, Fidel Castro brincou dizendo que não entregaria a medalha para Paula)
Foi agradável e divertida. Apesar de não ser a conquista mais importante da nossa geração, foi a que mais marcou. Depois de 25 anos você ainda me fazendo esta pergunta (risos).

Hortência e Paula com Fidel Castro em 1991. Foto: Acervo Estadão



Muitos esportes têm conseguido, mesmo que lentamente, uma maior igualdade salarial entre homens e mulheres. No basquete, essa realidade ainda é distante. O que falta para diminuir essa distância?
Acho que as mulheres irão chegar lá, é uma questão de tempo. Talvez o esporte feminino ainda seja visto com certa desconfiança e preconceito, mas isso tem mudado bastante.

A Elena Delle Donne, uma das principais jogadoras americanas, tem feito críticas às diferentes formas como o basquete masculino e feminino é visto nos EUA. Você acha que mais personalidades como ela podem mudar o jeito como o basquete feminino é visto no mundo?
É importante uma jogadora do nível e do respeito dela se posicionar. Infelizmente, isso é algo que só acontece quando o atleta se aposenta, a força já não é a mesma. Ainda vivemos tempos em que os atletas não podem opinar, são amordaçados e pressionados a não dizer o que não está bem e o que pensam.

Após a geração que teve você, Hortência e Janeth, houve uma quebra na sequência de bons resultados do basquete feminino brasileiro. Quais as causas disso e o que fazer para retomar o caminho das vitórias?
Coragem para renovar, vontade de fazer um trabalho para que as meninas façam basquete na escola e pensar em um planejamento para o basquete feminino de pelo menos três ciclos olímpicos. As meninas, desde os Jogos de Sidney-2000, pagam o preço do descaso da entidade responsável pelas seleções em tratar o feminino com mais carinho e respeito.

O que falta para que iniciativas de cunho social e formador como o Instituto Passe de Mágica, idealizado por você, se multipliquem no Brasil?
Já somos hoje mais de 70 instituições que trabalham com ações voltadas para esporte com cunho social. A REMS (Rede de Esporte pela Mudança Social) reúne todas para troca de experiências e ajudar na construção de políticas públicas. Cada uma fazendo sua parte, mesmo assim temos consciência que ainda fazemos pouco, mas somos uma célula que contribui com ações sociais importantes e ajudando o poder público, que não tem pernas para assumir sozinho todas estas ações pelo Brasil.