Mateus Fiorentini: Golpe Paraguaio? Ou lembrai-vos de 2005

Tem sido corriqueira e comum a comparação do golpe em curso no Brasil com aquele perpetrado no Paraguai. De alguma maneira a ação coordenada entre os meios de comunicação, Poder Judiciário e o parlamento na desestabilização de governos democraticamente eleitos em um processo de julgamento político tem sido designado “Golpe Paraguaio”.

Por Mateus Fiorentini*

Lugo e Lula - Divulgação

A referência ao Paraguai tem se dado em virtude do Golpe de Estado promovido contra o Presidente Fernando Lugo no ano de 2012. Este episódio evidenciou uma nova estratégia de parte da direita e do imperialismo para derrubar presidentes eleitos, dando a essa ação uma fachada legal e legítima perante as instituições da sociedade. Nesse sentido, o Golpe no Paraguai teria sido uma espécie de laboratório para os “golpes de novo tipo” ou “golpes midiático-judiciais”, ou ainda “golpes do século 21”.

Nesse sentido, tem ficado cada vez mais claro que há uma ação articulada da direita em distintos países da região. Se olharmos para Venezuela, Argentina e Brasil veremos que a estratégia é muito similar. Nestes países, assim como no Paraguai, essa ação consiste em produzir ou buscar um fato ilícito e, por conseguinte, uma ação legal (impeachment) contra crimes de ética (corrupção).

Campanha midiática de desmoralização dos setores populares e de esquerda bem como de mobilização e agitação. É a construção da narrativa do golpe, o discurso. Este, por sua vez, deve produzir descontentamento e pessimismo sobre a situação nacional.

Setores da burguesia interna e externa financiam grupos de direita com a finalidade de promover manifestações contrárias ao governo de turno. Dos países mencionados a Venezuela é onde há uma variação dessa estratégia. Tendo em vista que a Revolução Bolivariana promoveu uma agenda de democratização e popularização das instituições do Estado, a direita não consegue utilizar ferramentas como o judiciário e mesmo os meios de comunicação tem seu poder limitado, graças a democratização dos meios de comunicação promovida por Hugo Chávez. Diante disso, os setores conservadores e golpistas precisam utilizar instrumentos e práticas mais radicais na sua jornada gorila como, por exemplo, privar a população de meios básicos de sobrevivência ou sequestrar um avião militar para bombardear instituições do governo.

Entretanto, esta estratégia não se resume ao Brasil ou a América Latina. Por uma “incrível coincidência” se desata também contra os países que integram os Brics (compreendendo, obviamente, o Brasil como membro deste bloco). Nesse sentido a campanha de cerco à Rússia ou a tentativa de contraposição à China, sobretudo no Pacífico, são estratégias para desarticular este bloco e fortalecer a hegemonia dos EUA a nível planetário. Esta consiste na nova estratégia de golpes promovidos pelo Imperialismo na atual quadra histórica. Para Domenico Losurdo, numa relação de continuidades e descontinuidades, uma vez que este não abre mão das formas clássicas de golpe (militares – Honduras) combinadas com novas formas, igualmente violentas, mas sem o uso das forças armadas. Nesta nova estratégia, onde predomina o chamado Soft Power (que de suave tem apenas o nome), derruba-se um governo “como se o movimento fosse oriundo do seu interior, mas organizada e apoiada de fora do país” (Domenico Losurdo – A esquerda Ausente).

Lembrai-vos de 2005

Claro está que a derrubada de Lugo no Paraguai foi a primeira experiência exitosa desse golpe de novo tipo. Mas gostaria de lembrar das semelhanças desta estratégia com aquela usada pela direita brasileira em 2005. Naquela ocasião o “Mensalão” servia de instrumento da direita para inaugurar um processo de impeachment do então presidente Lula. Nos meios de comunicação, pilhas enormes de dinheiro eram exibidas e reproduzidas repetitivamente e exaustivamente todos os dias, de maneira desconexas, com o objetivo de associar Lula ao caso. No dia 17 de agosto daquele ano chegaram a convocar uma manifestação em Brasília (com participação de partidos de ultra direita bem como esquerdistas) com a palavra de ordem: Fora Lula!

Além disso, como não lembrar do falecido Antônio Carlos Magalhães (o avô) afirmando que, com Lula, havia se instalado no Brasil uma República Sindical (ocasionalmente o mesmo argumento usado contra Getúlio e Jango). Ou ainda, Jorge Bornhausen dizendo querer livrar-se “desta raça” pelos próximos 30 anos.


Manifestação em apoio a Lula em 2005


Esta intentona golpista foi derrotada, naquela ocasião, por consequência de um conjunto de elementos. Em primeiro lugar, não havia explodido, todavia, a bolha imobiliária nos EUA que desencadearia a crise econômica mundial. Aliado a isso, deve considerar-se a vigência do pacto construído em 2002 expressado na Carta aos Brasileiros. Em segundo, a eleição de Aldo Rebelo para a presidência da Câmara dos Deputados. E, manifestações de rua conduzidas pela Coordenação dos Movimentos Sociais em todo o país, tendo como marco a passeata realizada em Brasília no dia 16 de agosto. Estas manifestações denunciavam a ação de desestabilização do governo Lula promovida pela direita e reivindicavam o combate à corrupção, mudanças na política econômica do governo e Reforma Política Democrática Já! A vitória neste processo abriu caminho para uma reaproximação do governo com a base social que o elegeu e a reeleição de Lula (2006) sob a consigna: Lula de novo com a força do povo!

As sinalizações decorrentes deste contexto político apontavam para um fortalecimento dos setores democráticos, progressistas e de esquerda na condução do projeto de mudanças em curso. Contudo, nas eleições seguintes para a Presidência da Câmara dos Deputados o PT negou-se a apoiar a reeleição de Aldo para a função, lançando Arlindo Chinaglia. Naquele momento a força política hegemônica no governo abriu mão de fortalecer o núcleo de esquerda e progressista na condução do projeto tomando uma postura hegemonista. Consequência disso foi a criação do Bloco de Esquerda como necessidade deste campo para influenciar nos rumos do governo.

Não pretendo apresentar contradições com aqueles que chamam essa forma de golpe de “Golpe Paraguaio”. Apenas dizer que talvez ele não seja tão paraguaio assim. E, que já em 2005 derrotávamos uma empreitada golpista promovida pela elite reacionária, antinacional e anti povo do nosso país. A mesma que se lançou contra Getúlio em 54 e em 1964, contra Jango.