Braexit: Itamaraty sob gestão golpista trama sair do Brics

Se faltam champanha e caviar para o vice-presidente que ora permanece no Palácio do Planalto, no lugar da presidenta Dilma Rousseff, sobram análises sombrias quanto ao futuro da diplomacia brasileira e o Braexit.

O Brics é formado pelas cinco maiores economias emergentes do mundo

Na trilha dos britânicos, que cederam à pressão dos conservadores e decidiram-se por deixar o bloco da União Europeia, no movimento conhecido como Brexit, o governo do presidente de facto, Michel Temer, planeja se afastar, pé ante pé, do grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (Brics, na sigla em inglês). A tarefa, ao encargo do ministro interino das Relações Exteriores, senador José Serra (PSDB/SP), porém, tem sido tratada sem muito sigilo, nos corredores do Itamaraty.

Com a ligação direta à Casa Branca, em Washington, restaurada após o golpe de Estado, em curso há mais de dois meses, no país, a presença do Brasil entre os maiores credores do Tesouro norte-americano tornou-se incômoda, a ponto de o governo atual permanecer “na geladeira”, como afirmou um diplomata brasileiro à reportagem do Correio do Brasil, em condição de anonimato, da diplomacia mundial. A realidade é que nenhum dos países membros do Brics, até agora, promoveu qualquer convescote em homenagem ao mandatário nacional e já avaliam um possível Braexit.

Se faltam champanha e caviar para o vice-presidente que ora permanece no Palácio do Planalto, no lugar da presidenta Dilma Rousseff, sobram análises sombrias quanto ao futuro da diplomacia brasileira. A organização não governamental (ONG) norte-americana Zero Hedge lembrou, em sua página, que “a última vez que os EUA instalaram governo fantoche foi em 2014, quando, em mais um ‘golpe sem derramamento de sangue’ (sic), derrubaram o presidente da Ucrânia e lá instalaram um bilionário oligarca. É cenário comparável ao do Brasil, em 2016”,

Já o lendário jornal russo Pravda, em artigo publicado nesta sexta-feira, questiona: “É possível que “o novo governo pró-EUA no Brasil force uma ‘Braexit’ e derrube a muralha que protege o Brics?”,. Quem responde é o professor assistente do Departamento de Relações Exteriores da Fundação Getúlio Vargas (FGV): "Muitos (sic) brasileiros acreditam que é hora de deixar o Brics".

“Há apenas três anos, a maior nação da América do Sul declarou que desejava desconectar-se da Internet controlada pelos EUA, por causa da vigilância ilegal que a Agência de Segurança Nacional dos EUA sobre o país, que incluíam gravar as conversas telefônicas da (então) presidenta Dilma Rousseff. Hoje, o mesmo país, sob governo de facto de Michel Temer, considerado por muitos em todo o mundo como informante dos EUA, pende fortemente na direção do campo norte-americano. Parece também estar-se movimentando para longe do grupo Brics, do qual o Brasil é membro fundador”, acrescenta o Pravda, acerca do Braexit.

Leia, adiante, os principais trechos do artigo:

A ‘conversão’ do governo brasileiro não acontece por acaso. É efeito do descomunal revide contra o Partido dos Trabalhadores de Dilma Rousseff, orquestrado por uma coalizão de direita praticamente dominada por população crescente de extremistas evangélicos. De apenas 5% da população em 1970, os evangélicos já são hoje 22% dos 200 milhões da população do Brasil. Estão a caminho de se tornarem maioria já em meados do século.

As igrejas evangélicas com conexões fortes com quartéis-generais nos EUA – e não raras vezes controladas pelas ‘matrizes’ – já são atores muito ativos nas eleições no país, e já conseguiram reverter várias leis sociais brasileiras progressistas. É muito provável que os fiéis dessas igrejas ‘de televisão’, criadas à imagem de muitas que há nos EUA, logo passem a interferir também na política exterior do Brasil. Com isso, certamente o Brasil se afastará – e provavelmente se porá em campo adversário – de países como Rússia e Índia, onde ainda predomina um ethos liberal progressista.

Em apenas 35 anos, é possível que o Brasil tenha população majoritariamente pró-EUA. É tempo mais do que suficiente para que o Brics prepare-se para a vida sem Brasil. Há quatro vias claras para conseguir isso. (…)

Temer informante

O site de jornalismo investigativo Wikileaks revela que o presidente interino do Brasil, Michel Temer, forneceu informações de inteligência ao Conselho de Segurança Nacional e a militares dos EUA, quando ainda na função de líder do partido PMDB que integrava a coalizão governante. Conforme aquela organização internacional de divulgação de informação considerada ‘secreta’ pelos interessados em ocultá-la, Temer manteve contato extraoficial com a embaixada dos EUA no Brasil e forneceu informação que o governo dos EUA considerou “sensível”, para conhecimento “exclusivo do governo dos EUA”. Dois telegramas chamam especialmente a atenção: um, datado de 11 de janeiro de 2006, o outro de 21 de junho de 2006. Um é documento enviado de São Paulo, Brasil, para – dentre outros destinatários – o Comando Sul dos EUA em Miami.

Mas em que sentido isso diz respeito ao Brics? Se Temer é efetivamente instrumento da ação política dos EUA, pode bem introduzir uma cunha na maquinaria do grupo Brics e paralisá-lo, mais ou menos como a Grã-Bretanha operou como cavalo de Troia dos EUA na União Europeia.

Temer, um dos articuladores do golpe para derrubar a presidenta Rousseff, ativa defensora do Brics, está, ele próprio sob investigação policial.

É provável que Temer e seu grupo lancem o Brasil em período de agitação e instabilidade. Como se lê no website “Zero Hedge” de inteligência financeira: “Só para lembrar: a última vez que os EUA instalaram governo fantoche foi em 2014, quando, em mais um “golpe sem derramamento de sangue” (sic), derrubaram o presidente da Ucrânia e lá instalaram um bilionário oligarca. É cenário comparável ao do Brasil, em 2016.”

O grupo Brics deve garantir que Temer não tenha meios para sabotar a coesão do Brics, que já está tendo de lidar com a tensão geopolítica entre Índia e China, por causa da presença de uma considerável frota da Marinha da Índia no Mar do Sul da China e da recusa, por Pequim, de aceitar Nova Delhi no Grupo de Fornecedores Nucleares.

Braexit no Brics

No governo da presidenta Rousseff, a economia brasileira andava devagar, mas andava. Contudo, como pilar fundamental do grupo Brics, o Brasil parece ter atraído a ira dos EUA. A coalizão de partidos anti-Dilma, como o PMDB de Temer, e os grupos das igrejas evangélicas – com certeza teleguiados por Washington – criaram tantas e tais dificuldades, que a presidenta foi forçada a governar praticamente por decretos, durante a maior parte de seu segundo mandato.

Como se viu acontecer na Ucrânia, que está hoje em total desarranjo, o PIB do Brasil encolheu 3,8% em 2015, e tudo indica que encolherá outro tanto em 2016. Inflação e desemprego estão acima de 10%. O mercado de ações caiu 7% durantes as duas primeiras semanas do governo Temer; e o real perdeu 3,5% do valor em relação ao dólar norte-americano.

Índia, que assume agora a presidência do Brics, fará avançar as iniciativas russas? Primeiro a Ucrânia, depois o Brasil, o que virá depois? A China parece impenetrável aos esforços de desestabilização e revoluções "das flores" dos EUA – mas a Revolução dos Guarda-Chuvas em Hong Kong foi claramente inspirada pelo ocidente. A Rússia já expulsou as agências USAID e o British Council, por interferência na política russa. Resta a Índia, que é vulnerável às táticas de desestabilização da CIA-EUA. A ascensão do Partido Aam Admi, que recebe fundos da Fundação Ford – um dos corpos operados e mantidos pela CIA – é prenúncio do que está por vir.

Leia no Pravda a íntegra do artigo publicado

"Presença inconcebível" no Brics

Para o escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia Roberto Amaral, em recente artigo publicado no Correio do Brasil, “o sonho da Unasul será substituído por uma recuperada OEA, submissa como sempre aos interesses da geopolítica dos EUA, pois, para tal mister foi criada em 1948, em plena Guerra Fria, e a seu serviço”.

"Ao mesmo tempo em que lança farpas contra os governos de Venezuela, Cuba, Bolívia e Nicarágua – lembrando os piores editoriais do Estadão –, o novo chanceler chega ao cúmulo da inconveniência de deslocar-se a Montevidéu, levando FHC a tiracolo, para tentar impedir que o Uruguai passe a presidência pro tempore do Mercosul à Venezuela, tendo de ouvir de Tabaré Vasquez que as normas são acordadas para serem cumpridas", acrescenta.

“Para essa nova fase de dependência encantada são incompatíveis iniciativas como a de nossa presença no Brics, como é inconcebível tentarmos exercer, sem o comando ou ao menos o placê da Casa Branca, qualquer posição destacada, ou de liderança regional, muito menos nossa aproximação com o hemisfério Sul”, pontua o ex-ministro.

Na tentativa de preservar o diálogo entre o Brasil e a Rússia, um dos pilares mais relevantes do Brics, o diretor do Departamento da América Latina do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Aleksandr Schetinin, afirma que apesar dos solavancos políticos porque passam os países da região, “Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Colômbia são parceiros tradicionais com os quais trabalhamos em estreita colaboração. Além deles, produtores de outros países também estão entrando no mercado russo. Mas alguns parceiros latino-americanos ainda devem solucionar questões referentes à adequação de seus produtos às nossas normas fitossanitárias”.

Quando ao golpe de Estado, em curso no Brasil, Schetinin foi específico: “Moscou espera que o Brasil se recupere da crise política o mais rápido possível. O Brasil é um importante e tradicional parceiro na ONU, na América Latina, no “Grupo dos Vinte” e no Brics. Apreciamos a sua abordagem equilibrada dos assuntos internacionais, tanto na política global quanto nos temas da região latino-americana. Seu peso político e econômico no mundo não tem um caráter conjuntural.

E acrescenta, na entrevista publicada, originariamente pela agência russa de notícias RIA Novosti: “A atual crise política interna do Brasil pode ter afetado de algum modo nossa cooperação bilateral na medida em que ela influenciou de modo geral o posicionamento da política externa e da atividade econômica externa do Brasil como um todo. Desejamos sinceramente que o Brasil supere o mais rápido possível esse período difícil. A nós interessa um Brasil forte, influente, estável política e economicamente e amigável em relação à Rússia”.