Eurocopa: O título que veio da África

Cinco empates e uma vitória no tempo normal. Esse é o retrospecto da melhor seleção de futebol da Europa, Portugal. A melhor nem sempre é a campeã. Mas quase todo mundo prefere ser o campeão, mesmo que não seja o selecionado que praticou o futebol mais vistoso. Brasil de 82, Holanda de 74 e Hungria de 54 que o digam. 

Por Thiago Cassis* 

Éder na Eurocopa - Divulgação

Com 3 empates na primeira fase (Islândia, Hungria e Áustria), a equipe tirou proveito do novo formato da Eurocopa, que classifica os quatro melhores terceiros colocados (para quem se lembra, do mesmo jeito que a Copa do Mundo de 1990), e foi para as oitavas. Já nesta fase, encontrou uma das melhores seleções do início do campeonato, a Croácia. E mais uma vez, empatou. Desta vez, porém, Quaresma marcou no finalzinho da prorrogação, e lá estava Portugal classificado.


Nas quartas de final, a seleção teve pela frente a Polônia, equipe com uma defesa muito sólida, que tomou poucos gols durante a competição. Resultado: novo empate. Desta vez a igualdade no marcador continuou durante a prorrogação, e os portugueses levaram a melhor nos pênaltis. Na semifinal, a primeira, e única, vitória portuguesa no tempo normal, dois a zero em cima da seleção do País de Gales, com direito a um belo gol de cabeça de Cristiano Ronaldo.


Nem preciso dizer que na final, Portugal empatou. Zero a zero no tempo normal, e no segundo tempo da prorrogação lá estava Éder, para enfileirar a defesa francesa e acertar um belo chute nas redes. Era o gol do título. A primeira grande conquista da seleção portuguesa.


E por falar em Edérzito, verdadeiro nome do herói do título, Éder, vale lembrar que o jogador nasceu em Guiné-Bissau, primeira colônia africana a ter sua independência reconhecida por Portugal. Sim, o gol que decidiu a Eurocopa foi marcado por um africano.


Assim como Éder, que tem origem africana, estavam em campo, por Portugal, William Carvalho, nascido em Angola, além de Nani e Renato Sanches, ambos nascidos em território português, mas filhos de pais de Cabo Verde. Pela França, entraram entre os titulares, Umtiti, de Camarões e Evra, nascido em Senegal, isso sem contar outros 4 atletas franceses com origem africana. Ou seja, quase metade dos atletas em campo não estariam ali se não fosse por terem sido levados, ou seus pais, a deixar seus países de origem e lutar pela sobrevivência na abastada Europa.


A situação remete ao filme “Entre os muros da escola”, quando em uma de suas cenas, garotos de origem africana, estudantes de um colégio público de Paris, discutem por alguns serem contra cidadãos que sofrem preconceito por suas origens, mesmo quando nascidos na França, vestirem a camisa da seleção ou torcerem pelos franceses. Um filme ótimo para entender um pouco do que acontece por lá. Vale lembrar também de Benzema, craque francês, deixado de lado na Eurocopa que não canta o hino do país no início das partidas.

Cena do filme francês "Entre os muros da escola"


De qualquer forma os atletas em campo representavam o quão raso e inconsistente é o discurso xenófobo. Não fosse por um passado obscuro, de exploração e escravidão, muito possivelmente nem a África estaria na situação em que se encontra e nem os imigrantes estivessem arriscando suas vidas para entrar na Europa. E de quem é a culpa? A resposta parece óbvia.


Um detalhe curioso, ainda na questão do local de nascimento dos jogadores que disputaram a final da Eurocopa, é o fato de na seleção portuguesa que entrou em campo, cinco atletas não terem nascido no país, e desses, 2 nasceram na própria França. Ironias do futebol.


Seja como for, daqui a quatro anos tem mais Eurocopa. E pela primeira vez a sede será a União Europeia. Todos os países do bloco receberão partidas do torneio. Por hora, parece que o Reino Unido não verá a bola rolar em seus gramados. Mas é muito cedo para dizer, porque quatro anos parecem uma eternidade nesse barril de pólvora chamado Europa.