9 de Julho: A elite paulista de novo no poder

Os símbolos mais significativos da identidade de São Paulo são radicalmente conservadores: os bandeirantes e 1932. Os bandeirantes, cujo ícone está plasmado na horripilante estátua do Borba Gato, bem como no nome de tantas estradas, avenidas, ruas, praças e outros espaços públicos, foram, literalmente, caçadores de índios.

Por Emir Sader

Michel Temer e o 9 de julho

E 1932 representa o sentimento elitista e racista da elite paulista, que se considera personificação da civilização, em contraste com a barbárie e o atraso do resto do país. A aventura derrotada de 1932 representou a tentativa de restabelecer o poder dos coronéis e dos latifundiários do café, que tiveram em Washington Luís – carioca adotado pela elite paulista, como mais tarde FHC –, autor da frase “a questão social é questão de polícia”, seu último presidente.

Desde então, a elite paulista sofreu derrotas diante das novas lideranças ascendentes, que tiveram em Getúlio Vargas seu ícone maior. Depois de tentar derrubá-lo pelas armas, a direita, liderada pela elite paulista, foi sucessivamente derrotada nas eleições de 1945, 1950, 1955, até que ganhou efemeramente com Jânio Quadros – mato-grossense adotado pela elite paulista –, mas só voltou ao poder pela ruptura violenta da democracia pelo golpe militar de 1964 e a ditadura imposta pelo terror ao país durante 21 anos.

Com a queda prematura do seu então novo herói, Fernando Collor de Mello, FHC se prestou a ser o novo líder da direita, em quem a elite paulista se representou euforicamente. Até que o fracasso do seu governo levou às vitórias de Lula e do PT, democraticamente, em quatro eleições sucessivas.

A direita paulista seguiu agitando a ideologia de 1932, de ódio ao “populismo” de quem reconhecia os direitos do povo e distribuía renda, fortalecia o Estado, desenvolvia política externa soberana, negava a questão social como questão de polícia. 1932 deste ano encontra essa elite no governo, por um novo golpe, esta vez de caráter jurídico-parlamentar-midiático, mas com os mesmos ideais. Ódio ao povo e a seus líderes, a começar, agora, por Lula. Aos sindicatos, aos movimentos sociais, aos direitos dos trabalhadores, ao patrimônio nacional, à independência diante do EUA. Vale-se dos liberais de turno para retomar o “não sou comandado, comando”, só que agora não em nome dos latifundiários do café – proprietários dos antigos casarões da Avenida Paulista –, mas dos banqueiros – que erigiram os horrorosos edifícios de vidro fumê, substitutos daquele casarões. Herda também a tradição dos bandeirantes, tentando emplacar um general na Funai.

O racismo é um dos eixos de continuidade da elite branca de São Paulo, agora contra os nordestinos, contra as empregadas domésticas, contra os novos frequentadores dos aeroportos, contra o dedo de Lula perdido na máquina em prol do progresso de São Paulo, contra o próprio Lula, a democracia e o povo brasileiro.

Gostariam de ficar os 21 anos da ditadura militar, mas podem perfeitamente permanecer apenas o tempo efêmero do presidente Jânio e seguirem sendo derrotados, como FHC e os tucanos, se a democracia prevalecer.