Vanessa Grazziotin: Acusação Surreal

É arrasadora a perícia do Senado em pelo menos duas questões que desmontam completamente os argumentos da acusação. A primeira é taxativa ao afirmar que “não foi identificado ato comissivo”, direto ou indireto, da presidente Dilma Rousseff nos atrasos de pagamento ao Banco do Brasil, relativos ao Plano Safra.

Por Vanessa Grazziotin

Vanessa Grazziotin

Ou seja, não há como condenar a presidente por causa desse ato, popularizado como pedalada fiscal. Isso por uma questão óbvia: não existe autoria.

Não se poderia sequer alegar que a presidente delegou o ato a outrem, uma vez que o próprio Legislativo fixou por lei a competência do Ministério da Fazenda para estabelecer as regras de execução do Plano Safra.

A segunda, que diz respeito aos decretos de créditos suplementares, é surreal. Na acusação inicial, eles eram seis, depois caíram para quatro, e agora, pela análise da perícia, são apenas três, que hipoteticamente teriam alterado a meta fiscal.

Mas vejam que esse impacto é apenas em tese, porque na edição de um decreto nenhuma despesa é realizada, só há uma autorização, que ainda depende de outras e do limite de gasto fixado para cada órgão.

Contudo, o próprio laudo pericial reconhece que a meta fiscal foi cumprida, ao final do ano, conforme a apuração oficial do Banco Central.

Onde estaria, então, também neste caso, o crime? O laudo pericial é preciso ao concluir que, “segundo as informações apresentadas pela SOF (Secretaria de Orçamento Federal) nos processos de formalização dos decretos, não houve alerta de incompatibilidade com a meta fiscal”.

Alerta para quem? Para a presidente da República. Por quem? Pelo órgão auxiliar do Congresso Nacional no controle externo, ou seja, o Tribunal de Contas da União. O certo é que a presidente assinou os decretos em questão, mas fez isso após a análise de vários órgãos técnicos. Assinou porque tinha a certeza de fazer a coisa correta, legal.

Um dos peritos inclusive afirmou, em entrevista à Folha no dia 30, que “a cadeia para formalização do processo é um pouco longa”.

O artigo 85 da Constituição não deixa dúvida ao definir como crime de responsabilidade apenas atos considerados verdadeiros atentados à Lei Maior do ordenamento jurídico.
Enfim, em relação aos decretos, a presidente os assinou porque nenhum parecer técnico ou jurídico indicava ilegalidade; tampouco recebeu qualquer alerta do TCU.

A convicção de que a presidente Dilma não cometeu nenhum crime de responsabilidade não é só nossa. A líder do governo interino, a senadora Rose de Freitas (PMDB-ES), disse recentemente que Dilma não foi afastada do cargo por causa da chamada pedalada, mas sim em razão da crise política.

São palavras da senadora: “Na minha tese, não teve esse negócio de pedalada, nada disso. O que teve foi um país paralisado, sem direção e sem base nenhuma para administrar. A população não queria mais e o Congresso também não dava a ela [Dilma] os votos necessários para tocar nenhuma matéria”.

Nesse mesmo sentido, o ministro do TCU Augusto Nardes afirmou que as “pedaladas fiscais não são tão importantes” para justificar o processo de impeachment.

Esse processo, de fato, é político, mas não pode se arredar da configuração jurídica. O critério político atua se, e somente se, tal configuração jurídica acontecer. Mas isso não ocorreu, nem ocorrerá.

As únicas vozes dissonantes, apontando crime de responsabilidade, vieram do TCU. Mesmo assim, incoerentes entre si e totalmente refutadas pelos demais testemunhos.