As mulheres na guerra da Independência

A defesa da independência do Brasil, feita de armas nas mãos e vencida na Bahia, em 2 de julho de 1823, com a derrota e expulsão das tropas portuguesas comandadas pelo general Madeira de Melo, teve forte participação das mulheres. Três delas ficaram na história e mostram que a intensa participação popular na luta contra os portugueses foi masculina e também feminina, pobre e negra.

Por José Carlos Ruy

Mulheres da Independência - Arquivo

Estas três mulheres foram a freira Joana Angélica, aquela que hoje talvez fosse incluída na “classe média”, Maria Quitéria, e a pescadora e marisqueira Maria Felipa.

Joana Angélica foi assassinada por soldados portugueses no início da luta, em 20 de fevereiro de 1822. A tropa que ocupava Salvador promovia arruaças pela cidade. Ao tentar invadir, bêbados, o convento da Lapa, os soldados deram de cara com a resistência de Joana Angélica que tombou em defesa daquele local. Foi a primeira mártir da Independência e seu assassinato provocou forte reação popular e animou a luta contra os ocupantes.

Maria Quitéria de Medeiros era uma moça que sabia montar (habilidade essencial para a época) e usar armas. Quando a luta pela independência se intensificou na Bahia, ela fugiu de casa, disfarçou-se como soldado e juntou-se ao chamado “Batalhão dos Periquitos”, na vila de Cachoeira. Participou, com destaque, em combates na Ilha de Maré, Barra do Paraguaçu e na cidade de Salvador, na estrada da Pituba, Itapuã, e Conceição.

Ela não conseguiu esconder, por muito tempo, sua condição de mulher. Descoberta, foi prontamente aceita, por sua bravura e destemor, pelo comandante de seu batalhão – o major José Antônio da Silva Castro, que veio a ser avô do poeta Castro Alves -, e teve um uniforme especialmente desenhado para ela, com um quepe especial e um saiote. Teve posição de destaque nos combates de que participou e foi a primeira mulher que assentou praça no Exército brasileiro; foi também a primeira a entrar em combate.

Depois da independência foi recebida pelo imperador Pedro I e condecorada com a Ordem do Cruzeiro, sob a justificação: "Querendo conceder a D. Maria Quitéria de Jesus o distintivo que assinala os Serviços Militares que com denodo raro, entre as mais do seu sexo, prestara à Causa da Independência deste Império, na porfiosa restauração da Capital da Bahia, hei de permitir-lhe o uso da insígnia de Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro".

O lado popular do envolvimento da mulher na guerra da Independência foi representado pela negra Maria Felipa de Oliveira, que organizou e liderou a resistência de negros, pobres e trabalhadores na Ilha de Itaparica, e sobrevive, quase duzentos anos depois, na memória da população.

Maria Felipa era uma pescadora, marisqueira, que morava na Ponta das Baleias. Ali, liderou a luta do povo, atacou barcos portugueses ancorados no local, atraiu e desmoralizou tropas inimigas liderando homens e mulheres, negros e índios nas batalhas contra o ocupante. Seu grupo chegou a queimar 40 navios! As armas que usavam eram quase sempre seus instrumentos de trabalho – facas de cortar baleia e peixeiras – ou pedaços de pau e galhos com espinhos. “As mulheres seduziam os portugueses, levavam pra uma praia, faziam com que eles bebessem, os despiam e davam uma surra de cansanção”, conta a historiadora Eny Kleyde Farias, no livro Maria Felipa de Oliveira: heroína da independência da Bahia (2010).

A visão oficial, segundo a qual a Independência teria sido “pacífica”, com o povo à margem dos confrontos ocorridos, vai cada vez mais ficando para trás.

Quando se olha de perto todas as lutas ocorridas em todos os lugares, que envolveram o povo e buscaram o progresso e a liberdade, uma verdade se impõe: as mulheres – que são mais da metade da humanidade – tiveram sempre uma participação decisiva e fundamental. Esta é uma verdade heróica que ocorreu também na guerra da Independência do Brasil.