O Estado colombiano oficializou o crime organizado, diz sindicalista

Imagine viver num país onde 6 mil membros do mesmo partido que você foram perseguidos e assassinados de uma vez só. Neste mesmo país, mais de 7 milhões de pessoas foram desalojadas de suas casas por não ceder à pressão do crime organizado. Isso acontece há meio século. Estamos falando da Colômbia, que há uma semana anunciou o cessar-fogo bilateral e definitivo entre as Farc e o governo. A ação pode ser considerada histórica e abrirá uma página em branco ao povo colombiano.

Por Mariana Serafini

Paramilitares da Colômbia - Wikicommons

Henry Rodriguez é auditor fiscal, sindicalista e durante os anos 70 e 80 foi membro do partido União Patriótica, que teve mais de 6 mil membros assassinados pelos paramilitares em conluio com a direita nacional. “Era um partido grande, tinha 7 senadores, 13 deputados, e a oligarquia cometeu este genocídio”, denuncia. Depois de anos dissolvido, recentemente a sigla se reorganizou e foi novamente institucionalizada, agora está retomando as atividades políticas.

As marcas do conflito entre o Estado e as forças guerrilheiras serão profundas na vida do povo colombiano, mas eles estão dispostos a recomeçar. O cenário é complexo, e Henri explica o papel de cada um nesta guerra: “jamais devemos chamar os paramilitares de guerrilheiros, jamais! Eles são assassinos”. O conflito começou há mais de 50 anos e desde então o Estado fortalece os grupos paramilitares a fim de “combater” a guerrilha. Em meio a tudo isso, milhares de pessoas inocentes foram assassinadas.

Para Henry, o acordo bilateral de cessar-fogo traz esperança e é, sobretudo, uma vitória das Farc e do povo colombiano. Uma vitória da esquerda, que poderá se planejar para “em dez anos ou mais” ocupar cargos públicos novamente e combater o neoliberalismo que impera no país há quase três décadas.


A esperança de uma paz sólida e definitiva 


Ele atua no sindicato dos auditores fiscais e ao longo da guerra viu centenas de companheiros de luta tombarem na batalha que não é apenas com armas, mas também social. Os movimentos sociais e políticos progressistas convivem com a sombra do paramilitarismo que oprime, persegue e assassina.

Henry denuncia, porém, que a situação se agrava ainda mais no campo, onde estão as principais vítimas dos paramilitares. “Mais de 7 milhões foram despejados até hoje no conflito, outros tiveram que fugir para a cidade e o acordo de cessar-fogo é a única esperança de que terão suas terras devolvidas”.

O acordo só foi possível graças à intervenção oficial de Cuba, que ofereceu Havana para ser a sede dos Diálogos de Paz, iniciados em 2012 que agora resultaram na solução do mais difícil ponto. Não significa, entretanto, o fim do conflito, este deve ser anunciado oficialmente pelo presidente Juan Manuel Santos em dois, três meses no máximo.

“Para as Farc é um ciclo que se encerra. Claro que é uma vitória porque se resolveu através da negociação política e este era um dos pontos mais difíceis, foi negociado por muitos anos”. A guerrilha já havia anunciado a intenção de deixar as armas há muito temo, com a condição de se reintegrar à vida civil por meio da política e se consolidar como uma força progressista no país.
O desafio agora é a construção de uma paz sólida e definitiva. “A ideia é fazer política sem armas, não somente entregar as armas, mas fazer mudanças profundas no Estado colombiano, fazer reformas na Justiça através da investigação do Tribunal de Paz”.

Durante os Diálogos, realizados em Havana, institui-se o Tribunal de Paz, que será composto por colombianos e estrangeiros a fim de investigar e esclarecer todos os crimes do conflito. “Coisa que a Justiça não pôde, não conseguiu ou não teve vontade de fazer”, afirmou. Henry explica que este organismo terá uma função parecida a uma comissão da verdade, cujo objetivo é trabalhar pela verdade, memória, reparação e não repetição.

A guerra a serviço do imperialismo e do neoliberalismo

Henry denuncia que o ex-presidente Álvaro Uribe foi o responsável por abrir mão da soberania nacional e permitir que os Estados Unidos instalassem seis bases militares no país, além de enviar um contingente das Forças Armadas. “A Justificativa do imperialismo é ‘criar estabilidade’. As Forças Armadas mataram milhares de pessoas inocentes com a desculpa de que eram ‘guerrilheiros’. Já passam de três mil execuções extraoficiais”, denunciou Henry.


O paramilitarismo institucionalizado pelo Estado 


Além dos crimes de guerra, os oficiais norte-americanos também são os responsáveis pela espionagem da Corte Suprema de Justiça, acusada de “trabalhar de forma imparcial e independente”. “Até mesmo o Ministério Público denuncia que o Palácio do Governo em Bogotá se transformou em uma empresa criminosa onde os paramilitares entram para conversar com presidente. O governo de Uribe chegou neste ponto, ele que é um dos maiores ideólogos da ultradireita no país”.

Para Henry, a ultradireita tem um papel determinante no longo período do conflito. “Existe uma ultradireita que é criminosa e assassina, que sempre se opôs a este processo de paz. De todas as formas se recusa à paz porque não lhe convém. Eles vivem da guerra. É uma indústria”.

O Estado colombiano, acredita Henry, é o grande responsável pela pobreza, má distribuição e falta de oportunidades para os mais jovens no país. Com o fim do conflito a esquerda pode sonhar em voltar ao governo e desenvolver um país com mais justiça social onde seja respeitado “o direito de pensar”.

Guerrilheiros comemoram o cessar-fogo | FotoLa Nación

O fim do conflito vai impactar diretamente – para o bem – a soberania latino-americana. Não haverá mais “desculpas” do imperialismo para manter bases militares na Colômbia e permitirá ao país melhorar as relações bilaterais com as nações irmãs. “A guerra nunca permitiu que existisse unidade com muitos países, não permitiu uma relação estável. Precisamos de uma paz séria e duradoura, não uma paz conquistada com balas. Para toda a América Latina é interessante que haja paz na Colômbia”, defende Henry.

O anúncio de cessar-fogo é só o começo do que pode ser uma nova história para o povo latino-americano. Juan Manuel Santos, presidente colombiano, deve anunciar o desenrolar deste acordo em julho ou agosto, quando será decretado oficialmente o fim do conflito. Neste tempo as Farc já terão começado o processo de reintegração à vida civil, sem armas. É o nascimento de uma nova relação política e social, de uma nova esperança para o continente tão golpeado.