LGBT: Resistência e esperança sem Temer

No dia 28 de junho de 1969, a polícia invadiu o bar Stonewall, em Greenwich Village, Manhattan, frequentado por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. A agressão resultou numa série de manifestações contra a repressão policial e a postura anti-lgbt do sistema jurídico da época.

Por Luiz Modesto* e Angela Albino**

Parada Gay 2016 - Foto: Reprodução/UOL

No ano seguinte, para recordar as manifestações, foram realizadas as primeiras paradas do orgulho LGBT em Nova Iorque, São Francisco, Los Angeles e Chicago, uma estratégia de manifestação que se configurou na maior expressão de visibilidade do movimento em diversos países. O contexto propiciou a fundação de diversas entidades de luta contra a lgbtfobia nos Estados Unidos.

Nos anos 20, ainda antes da escalada do nazismo na Alemanha, Berlim cultivava ambientes de convivência harmoniosa e de livre expressão para a comunidade LGBT. Era comum casais LGBT frequentarem bares, praças, restaurantes e cafés, e clubes tradicionais, como o Schwanenburg, dedicavam uma noite por semana para fazer um baile para o público. Com a ascensão de Hitler ao poder, a repressão se intensificou com a intransigência no cumprimento do parágrafo 175 da Constituição Alemã, uma normativa de 1827 que permitia a punição das relações entre pessoas do mesmo sexo. O médico socialista Magnus Hirschfeld, que organizava um movimento pela abolição do parágrafo 175, foi preso e teve seu instituto de pesquisa fechado, assim como fecharam o Schwanenburg e tantos outros estabelecimentos que acolhiam o público LGBT. Dezenas de milhares de pessoas homossexuais foram mandadas para os campos de concentração, onde tinham um triângulo rosa costurado em seus uniformes listrados para identificar sua “condição antinatural”.

O ataque motivado por ódio no dia 12 de junho deste ano na boate voltada ao público LGBT Pulse, em Orlando, na Flórida, que resultou na morte de 49 pessoas que participavam de uma festa latina naquela noite, desencadeou, por todo o mundo, uma série de vigílias e atos de protesto contra o fundamentalismo, o preconceito e a violência lgbtfóbica.

Nestes três casos é possível identificarmos uma série de fatores que constituem um modus operandi daqueles que odeiam: machismo, fundamentalismo, conservadorismo, a aversão pelo diferente, o não reconhecimento de direitos e liberdades para grupos dos quais não pertencem, entre outros. Estes e outros elementos seguem perpetuando uma constante tragédia, a das transexuais mortas nas esquinas, das lésbicas vítimas de estupro corretivo, do suicídio de adolescentes LGBT, da violência, do abandono e sofrimento de milhões de pessoas por todo o mundo.

No Brasil, os parcos avanços nas políticas para a população LGBT aconteceram via entendimento jurídico ou ações do executivo. A Câmara dos Deputados sequer reconheceu a especificidade do crime por lgbtfobia, e segue com grande resistência sobre qualquer pauta que signifique garantia de direitos e proteção a esta parcela da população brasileira.

Com a investida das forças fundamentalistas alinhadas ao capital especulativo e à grande mídia contra a jovem democracia brasileira, ficou nítida a localização da luta LGBT, das mulheres, negros e negras e trabalhadores e trabalhadoras, no centro da artilharia golpista. Se há algo que pode dividir o Congresso Nacional em nossos dias, de forma muito aproximada ao que tem feito o processo de impeachment contra a presidenta Dilma, é a defesa de direitos e liberdades para a comunidade LGBT.

Já com o agravamento dos ataques a democracia e o afastamento da presidenta, vemos os primeiros sinais de que, de fato, é esta parcela da população a que mais sofrerá as consequências da ruptura democrática. A extinção do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos e a subtração de seu orçamento para o caixa da Presidência da República é um sinal de que há muito o que temermos.

Uma série de medidas que afetarão profundamente a vida de brasileiros e brasileiras vem sendo anunciadas pelo governo interino do vice-presidente Michel Temer. Desmonte do Sistema Único de Saúde, limitação para investimentos em educação, aumento da idade mínima para aposentadoria. No mesmo instante, a base aliada de Temer acelera os trâmites de projetos como o famigerado Estatuto da Família, a proibição da adoção de crianças por casais LGBT, entre tantos outros.

Num momento onde o vice-presidente assume interinamente a presidência do país e passa a colocar em prática o projeto político derrotado nas urnas em 2014, comprometendo conquistas históricas e desprezando a decisão da maioria dos brasileiros, é fundamental que a população LGBT, cujo projeto de Brasil sem lgbtfobia e com mais liberdade e direitos foi usurpado por Temer, se levante em defesa da democracia. Sem democracia não há luta contra a lgbtfobia!

Em suas últimas entrevistas, a presidenta Dilma tem apontado para a necessidade de novas eleições diretas, devolvendo aos brasileiros e brasileiras o poder de escolher qual projeto de Nação desejam para o país. Sem restauração democrática não há perspectiva de retomada de uma agenda de inclusão social e de enfrentamento ao machismo, racismo e lgbtfobia. Para tanto, a presidenta propõe um plebiscito para que a população decida por novas eleições presidenciais, abrindo mão do período que lhe resta de mandato caso reconduzida ao cargo.

Nos resta a luta, as ruas e as redes, num movimento permanente de resgate do direito de decidirmos os rumos do país, na busca por um Brasil que contemple as demandas da população LGBT, das mulheres, negros e negras, trabalhadores e trabalhadoras.