Daniel Almeida: O governo Temer, antes de começar, já acabou

O líder do PCdoB na Câmara dos Deputados e presidente do PCdoB na Bahia, Daniel Almeida, concedeu entrevista ao jornal Tribuna da Bahia, publicada nesta segunda-feira (27). Para o jornal, Daniel afirma que os primeiros meses de governo de Michel Temer foram muito desastrosos. “Eu não quero ser pejorativo com o umbu, mas diria que é uma espécie de safra de umbu. A cada dia cai um bocado e só dura três meses.” Ele tratou ainda de outros temas, como as eleições municipais deste ano.

Confira a íntegra da entrevista concedida ao jornalista Osvaldo Lyra.

O governo Temer, antes de começar, já acabou”, avaliou o parlamentar em entrevista exclusiva à Tribuna. Apostando na candidatura de Alice Portugal para a prefeitura de Salvador, Almeida afirma que o objetivo é unir a esquerda para desmitificar a gestão do prefeito ACM Neto. Segundo o comunista, o governador Rui Costa deve assumir o papel de principal articulador das arrumações partidárias para as eleições municipais na Bahia. “A batalha de 2016 acaba fortemente sinalizando a de 2018”, frisou o dirigente da sigla.

Tribuna da Bahia – Deputado, o cenário nacional mudou. Como o senhor avalia esse momento atual da política no país? Tenso ainda?
Daniel Almeida – Tenso, indefinido, sem muita previsão. Estamos em um verdadeiro impasse político e com crise que já começa a dar sinais de crise institucional. Temos a interferência de um poder nas articulações de outro poder, o STF tem feito medidas algumas positivas, mas em alguns momentos interfere nas ações do Legislativo, quase fazendo leis. O Legislativo com um pedido de impeachment do procurador-geral da República e a Câmara com dois presidentes. Um afastado, um em exercício não pleno e o segundo suplente dirigindo as sessões, e temos dois presidentes dirigindo a República. São coisas realmente preocupantes, graves.

Tribuna da Bahia – O senhor acredita que foi a política, a economia ou a roubalheira que derrubou a presidente Dilma?
Daniel Almeida – Não foi um fator só. Geralmente, estes episódios são iguais acidentes de avião, não é apenas um elemento que é definidor. Acho que o principal deles acaba sendo sempre o ingrediente econômico, todas as crises têm um ingrediente econômico. A crise econômica acaba sendo um motor, que motiva isso tudo. Mas acho que no caso da presidente Dilma, esse elemento da economia foi potencializado por uma ampla articulação de oposição, não só uma posição política de partido, mas uma articulação que teve apoio no Ministério Público, Poder Judiciário, em setores da mídia e fortemente articulado e financiado por setores econômicos com motivações diversas, mas acho que uma das respostas principais era tentar uma saída econômica de retrocesso como está se verificando agora na agenda que o Temer procura implementar. Retrocesso econômico e retrocesso nos direitos sociais e trabalhistas. E há uma tentativa de motivação para barrar a Lava Jato. Acho que estes fatores todos estão contribuindo para a consolidação desse golpe.

Tribuna da Bahia – A gente está vendo o ministro da Fazenda adotar medidas que ele adotaria, como o ex-presidente Lula queria antes da saída da presidente Dilma. Da mesma forma, há setores do PT que querem abafar a Lava Jato. Há dois pesos e duas medidas, deputado?
Daniel Almeida – Não vejo a equipe econômica do atual governo com a mesma identidade de uma equipe econômica se a Dilma ou o Lula estivesse no governo. Temos um ministro que foi ministro do governo Lula em uma outra função, que agora está na Fazenda e montou uma equipe identificada com um projeto que vai na linha da privatização, da desregulamentação das funções do papel do Estado, diminuição do papel dos bancos públicos, operação do pré-sal, coisas que seguramente o governo Dilma ou o governo Lula não faria. Até aqui, o governo não deu sinal de combater aquilo que é o principal elemento da economia que é a prevalência dos interesses do capital rentista, da agiotagem do sistema financeiro, isso é que leva boa parte da riqueza do nosso país. A gente fala muito em débito, déficit da Previdência entre R$ 45 e R$ 60 bilhões e ninguém fala que o Brasil faz um esforço para pagar R$ 600 bilhões de serviços da dívida.

Tribuna da Bahia – O senhor acredita que a presidente Dilma vai conseguir retornar ao governo após o julgamento do Senado e do Supremo?
Daniel Almeida – Acho que sim. Acho que tem possibilidade porque a entrada do Temer não apresenta saída ou caminho. Mesmo a gente de boa-fé que foi para as ruas protestar com manifestações contra Dilma, hoje, percebe que o governo interino do Temer não respondeu nem na economia e nem na questão moral.

Tribuna da Bahia – Como avalia esse começo da gestão Michel Temer?
Daniel Almeida
– O início do governo Temer é desastroso. Eu não quero ser pejorativo com o umbu, mas diria que é uma espécie de safra de umbu. A cada dia cai um bocado e só dura três meses. O governo Temer, antes de começar, já acabou. Se é verdade que aqueles que estão citados na Lava Jato devem ser afastados, para sinalizar um combate à corrupção, o primeiro que deveria ser afastado é ele próprio. Então é um governo que ficou claro o objetivo de tentar barrar a Lava Jato, um pacto com Eduardo Cunha, que tinha a pretensão de salvar o seu mandato, e tentar implementar uma agenda que não poderia ser levada às urnas. É uma agenda do retrocesso, o desmonte do país. Isso tudo revela que é um governo que não pode continuar e seguramente tem futuro curto.

Tribuna da Bahia – A divisão de cargos que está sendo promovida pela PMDB é uma repetição de erros que aconteceram com o PT?
Daniel Almeida
– Essa distribuição de cargo, esse fisiologismo, o patrimonialismo, essa confusão entre público e privado, é algo que vem de longe no nosso país. O PMDB, esses partidos que estão hoje no governo interino são os construtores desse modelo. Se há um problema que precisamos reparar e criticar é que o PT no governo acabou adotando mecanismos que eram praticados no passado. Não era uma invenção do PT.

Tribuna da Bahia – Eduardo Cunha será efetivamente cassado ou ele vai ressurgir das cinzas e se manter na Câmara?
Daniel Almeida
– Eduardo Cunha está aniquilado. Não tem saída. Ninguém consegue salvar o mandato em uma votação aberta no plenário da Câmara. O colégio que ele tinha algum domínio ou que imaginava ter e não conseguiu era o Conselho de Ética. Passou do conselho, acho que mais três semanas ou trinta dias e ele estará cassado.

Tribuna da Bahia – Qual a avaliação do senhor em relação à Lava Jato? Há excessos?
Daniel Almeida
– Acho que a Operação Lava Jato é muito importante. O Brasil alcançou esse patamar, estruturou os mecanismos de controle como Ministério Público, Polícia Federal, neste período recente com o acompanhamento da sociedade, para produzir investigações que são importantes para elucidar crimes que sempre têm acontecido neste sistema político, nestas relações dos setores econômicos com o Estado, mas, sem dúvida nenhuma, tem excessos. Tem informações que são divulgadas, que eram para ser sigilosas. São ações de forma seletiva com informações que são divulgadas, às vezes, com determinados objetivos. Eu fico preocupado com certas informações de coisas diferentes que parecem iguais. Esse problema do financiamento privado de campanha, que felizmente acabou, mas quando se divulga sobre o financiamento, mistura o que é caixa dois, o que é financiamento oficial ou o que foram acertos para resultar em propina. Isso tem feito mal à política e à democracia brasileiras quando as coisas não são apresentadas com clareza necessária para distinguir uma coisa da outra.

Tribuna da Bahia – Como as campanhas serão financiadas este ano, deputado? De onde virá o dinheiro?
Daniel Almeida
– Eu acho que quem souber com clareza sobre esse financiamento vai ganhar prêmios, porque ninguém tem muita convicção sobre os mecanismos de financiamento. Uma coisa clara é que terá que cumprir a lei, e quem não cumprir não será perdoado. Hoje, as coisas são mais transparentes, os dados são cruzados e só pode haver financiamento de pessoas físicas ou de partido através do fundo partidário. Isso deve ser cumprido e seguramente serão campanhas mais baratas, mais curtas, os instrumentos de campanha também foram reduzidos, não somente no tempo, mas no tempo de campanha. Temos que fazer um chamamento da militância, ver quem tem militante disposto a ir para a rua e dar uma contribuição e abrir o bolso.

Tribuna da Bahia – Havia um mercado eleitoral muito forte que envolvia lideranças comunitárias, políticos, uma gama de pessoas envolvidas que movimentava milhões ao longo de uma campanha. E agora?
Daniel Almeida
– Sem dúvida, isso tem que acabar. Eu sou a favor do financiamento público exclusivo de campanha. A democracia tem um preço. Um preço político, social e um preço material. Tem que alguém financiar. Não é possível você fazer uma boa escolha na disputa eleitoral se não conhece o candidato que pensa as propostas, o que ele defende, a sua trajetória. E para isso tem que ter um custo material. Quem tem que bancar isso é a sociedade, se não banca através de um financiamento público, acaba bancando muito mais pelo financiamento privado, que não é pago por quem botou o dinheiro ali para uma outra campanha, acaba sendo pago pela sociedade. E o preço acaba sendo muito elevado, como corrupção, que agora está sendo revelada.

Tribuna da Bahia – Como o senhor vê as delações premiadas, um instrumento legítimo?
Daniel Almeida
– É um instrumento legítimo, adequado, mas é preciso que se faça um balanço sobre as condições para essa delação. A delação premiada ela se não tiver certos cuidados pode ser um instrumento para malandros acusarem outra pessoa, ou até uma pessoa honesta, apenas para se protegerem. Se não tiver cuidado, as pessoas podem prestar informação: “ah podem provar depois”. Pode trazer informações para pessoas inocentes, o que pode não ser conveniente. Que essa reparação seja feita, temos uma sociedade da informação tão imediata como é hoje que já está irreversível.

Tribuna da Bahia – Como o senhor vê o avanço da Lava Jato sobre o ex-presidente Lula, sobre o ex-governador Jaques Wagner?
Daniel Almeida
– Todos terão que prestar contas, esclarecer, ter o direito de defesa, de informar sobre aquilo que está sendo denunciado. Esse é um elemento da democracia brasileira de hoje.

Tribuna da Bahia – Como avalia o cenário da eleição neste ano aqui em Salvador, deputado? A candidatura de Alice Portugal é realmente irreversível?
Daniel Almeida
– Sobre isso, não há qualquer dúvida. É uma candidatura que está consolidada dentro do partido há bastante tempo. A unidade dentro do PCdoB sempre foi muito sólida e forte. Agora, ela se consolida como uma candidatura ampla, com a adesão do PSD e espero a adesão de outros partidos que possam compor esse bloco, pois a candidatura está absolutamente consolidada como o polo aglutinador com a convergência destas forças que fazem parte da base do governo Rui Costa. Essa é nossa expectativa.

Tribuna da Bahia – Incomodou a pressão de setores do PT para que o nome do partido fosse Olívia Santana?
Daniel Almeida
– Nós conhecemos o PT há muito tempo, convivemos com o PT de longa data e consideramos legítimos os aspectos levantados por Jaques Wagner, pelo governador, são pessoas experientes na política e fizeram de forma honesta e leal suas reflexões. O debate foi feito, eles entenderam que não tinha razão para alteração e acho que agora é outra etapa, convergindo, então, para a candidatura de Alice.

Tribuna da Bahia – Qual avaliação que o senhor faz do governo ACM Neto e qual vai ser o discurso usado pelo PCdoB ao longo da campanha?
Daniel Almeida
– O governo ACM Neto é aquilo que nós conhecemos da sua origem, do seu pensamento político. A Bahia conhece o que é o carlismo. Ele não abandonou esse conceito, essa concepção de governar e governa com o foco para a elite. Eu não condeno pontos que foram feitos em alguns pontos da cidade, mas a cidade de Salvador é muito maior e tem muito mais carência do que essas que ele conseguiu abordar e resolver. Tem uma blindagem da mídia muito forte, tem um forte poder de comunicação, mas não consegue, porque não tem em seu DNA interesse em fazer política para toda a cidade. O nosso projeto vai procurar abordar a cidade como um todo, fazer coisas que são necessárias nessa cidade mais visível, mas principalmente focar na população mais pobre da cidade, nos bairros mais periféricos com obras de infraestrutura, discutindo uma economia para essa população. Nós temos muitos potenciais de desenvolvimento, de dinamização de bairros populares em Salvador e incorporar essas populações nestes caminhos. Esse é um debate que deve ser feito com partidos aliados e com a sociedade. Temos acesso ao movimento social organizado na cidade de Salvador que será estimulado e chamado a contribuir na elaboração deste projeto.

Tribuna da Bahia – Para o PCdoB, é melhor uma candidatura de Lídice, uma candidatura de Alice ou uma candidatura única da base do governo Rui?
Daniel Almeida
– O governo formulou a ideia de múltiplas candidaturas nesse primeiro turno, com o objetivo de unificar no segundo turno. Essa é uma tese que nós compreendemos. O principal eleitor de Salvador é o governador Rui Costa, que é muito bem avaliado e tem realizado intervenções no município como em poucos momentos da história se verificou. Tem o crédito e muita confiança do nosso povo, sendo um elaborador, uma estrategista. Mas essa pulverização não pode ser numa dimensão que as pessoas confundam perfis de candidatos que estejam disputando no mesmo campo. Então, acho que os setores mais à esquerda se convergirem em uma candidatura mais à esquerda, potencializa e ajuda que essa candidatura se viabilize. É isso que nós vamos trabalhar. Que estes partidos de esquerda estejam na mesma candidatura, que é a de Alice.

Tribuna da Bahia – Nesse momento de tensão que a gente vive no país, o senhor acredita que o PT venha a pagar um preço alto já nessa eleição?
Daniel Almeida
– A política vai pagar um preço alto e é muito ruim que as pessoas estejam perdendo a esperança, a expectativa de uma saída política. Como o PT ficou mais tempo no governo e o foco principal dessas investigações, seguramente, terá um preço a pagar. Mas não comemoramos isso, o PT é um partido importante para a democracia brasileira, tem uma contribuição inestimável e, seguramente, sobreviverá, porque tem base social, pensa o Brasil e espero que tenha capacidade de rapidamente responder a todas estas acusações e continuar cumprindo seu papel na política brasileira.

Tribuna da Bahia – Qual a meta para o PCdoB na eleição deste ano na Bahia? Quais são as cidades prioritárias e quais as que o partido tem chance real de vitória?
Daniel Almeida
– Nós temos candidatos e candidatas em aproximadamente 80 municípios na Bahia, isso só se fechará no final das conferências que são as convenções partidárias. Temos disputa em Salvador como a principal, queremos manter Juazeiro, uma cidade importante que já dirigimos há oito anos, Itabuna tem grande viabilidade política, lá já são seis ou sete partidos apoiando Davidson Magalhães, em Camaçari também temos a candidatura posta com dez partidos apoiando; em Vitória da Conquista estaremos disputando também com o deputado Fabrício Falcão, uma liderança importante, para citar estas cidades maiores. Esse é o objetivo, crescer o número de prefeitos e eleger vereadores nas principais cidades do estado. Buscaremos a valorização do papel desse campo político que estamos atuando na Bahia, liderado por Rui, todas as nossas alianças buscam fortalecer esse campo político, por isso esse diálogo com diversos partidos, e valorizar a liderança do governador, que é o principal eleitor e articulador que precisa, na minha opinião, cada vez mais assumir o papel de coordenar esse processo. A batalha de 2016 acaba fortemente sinalizando a de 2018.

Fonte: Tribuna da Bahia