Os impactos da Lava Jato na Petrobras e na economia

Embora não tenha sido elaborada com este propósito específico, tese de doutorado defendida no Instituto de Economia (IE) mostra que o revés da Petrobras, por conta do escândalo da Lava Jato, pode ter efeitos muito mais impactantes do que se imagina na economia brasileira.

Petrobras - Foto: Rogério Santana/EBC

Em “Investimentos industriais no Brasil: uma análise setorial do período 1999-2013”, o economista Marcelo Sartorio Loural constata que no último ano da pesquisa (2013), por exemplo, a Petrobras respondeu pelo dobro dos gastos em investimentos produtivos da Vale e de mais 72 indústrias nacionais de grande porte, somados. A tese foi orientada pelo professor Célio Hiratuka.

“O investimento é uma variável importante da economia, tanto para o progresso técnico como para a geração de empregos. Em torno da Petrobras há toda uma cadeia de indústrias, como a naval e de máquinas e equipamentos, que também seria prejudicada por sua paralisia”, observa Marcelo Loural. “Os dados a partir de 2014 não estão em minha pesquisa, mas já confirmam acentuada queda da dinâmica econômica – e o revés da petrolífera talvez responda por isso. A tese mostra a relevância da Petrobras para o investimento no país, primeiramente no auge mais recente desta variável em nossa economia, de 2006 a 2008, e depois na crise internacional, segurando o nível de investimento do setor industrial.”

O pesquisador informa que, em 2013, os gastos da Petrobrás com investimentos foram superiores a R$ 90 bilhões, contra menos de R$ 25 bilhões da Vale e pouco mais de R$ 20 bilhões das demais empresas.

“No período anterior ao pré-sal, a disparidade não era tão grande: R$ 25 bilhões da Petrobras e menos de R$ 20 bilhões das demais somadas, excluindo a Vale. De 2009 em diante, a petrolífera continuou expandindo seus investimentos, ao passo que as outras indústrias retraíram seus gastos em virtude do cenário de crise. Como esta variável econômica visa uma renda futura, dependendo de expectativas quanto aos ganhos, as empresas não investem.”

Marcelo Loural afirma que a variável do investimento geralmente é estudada por uma abordagem macroeconômica e, por isso, o diferencial de sua tese de doutorado está na desagregação por setores da indústria brasileira e mesmo por empresas.

“É como adotar uma visão de lupa para identificar diferenças entre os setores. Conceitualmente, o investimento é um gasto realizado (no caso pelo empresário) visando ao aumento da riqueza, a uma renda futura. O investimento que tratamos em economia é aquele que gera capacidade produtiva, promovendo mudança estrutural e progresso técnico; e, principalmente, respondendo pela dinâmica da geração de empregos e impactando diretamente na vida cotidiana.”

O autor da tese escolheu o período de 1999 a 2013, primeiramente, por um fator metodológico, que é a disponibilidade de dados. “Os balanços das empresas foram minha fonte principal, sendo que só obtemos dados confiáveis de empresas de capital aberto. Nesse período temos um maior número de empresas deste tipo. Analisei ainda os dados setoriais fornecidos pela PIA (Pesquisa Industrial Anual), do IBGE. Outro motivo é que 1999 marcou o início de uma receita política pautada no câmbio flutuante, na busca pelo resultado primário positivo pelo governo (superávit primário) e, sobretudo, no regime de metas de inflação. Ocorreram mudanças neste tripé econômico, em especial como resposta à crise, mas ele está presente até hoje nas discussões de política econômica.”

Segundo Loural, de 2006 a 2008 ocorreu no Brasil um ciclo positivo de investimentos, o que não se observava desde final dos anos 1970, quando se começou a desenhar um contexto diferente do capitalismo, com predominância das finanças em relação à produção. “Nos anos 2000, em particular após 2003, experimentamos um período de crescimento econômico que perdurou até os primeiros impactos da crise internacional ao país nos últimos meses de 2008. O crescimento não chegou ao patamar de outras épocas, mas de 2004 a 2008 o Brasil apresentou taxas de aumento médio do PIB de 5% ao ano, o que não ocorria desde a crise da dívida no início dos 80.

Distorcendo a média

O pesquisador selecionou setores industriais como de alimentos e bebidas, têxtil, vestuário e calçados, metalurgia e siderurgia, máquinas e equipamentos e indústria química. “A ideia de olhar com lupa para o investimento foi com objetivo de buscar disparidades, que no início não imaginava tão grandes. Consegui captar informações de 74 empresas de capital aberto e a conclusão é de que duas delas determinam a dinâmica geral. Embora as outras empresas sejam todas de grande porte, seu peso ao investimento agregado é muito menor que de Petrobras e Vale. Por sua enorme representatividade, ambas acabam distorcendo a média resultante da análise dos dados agregados.”

De acordo com Marcelo Loural, a não ser em 2009, quando a crise mundial chegou efetivamente ao Brasil, não se vê uma queda significativa do investimento nos anos seguintes até 2013. “Na verdade, temos uma recuperação do investimento, em alguns momentos até maiores que no período de auge da economia (2006-2008). Mas, analisando setorialmente, constatamos que esta recuperação se deveu quase que totalmente aos investimentos da Petrobras no âmbito do pré-sal, ou seja, não foi regra geral. A petroleira, também por ser uma empresa de controle estatal, não seguiu a lógica da iniciativa privada e acabou segurando a variável do investimento em patamar mais elevado.”

O economista ressalta que seus dados se encerram em 2013, pois com a operação Lava Jato, tudo ficou comprometido para a Petrobras. Em relação à Vale, informa que o auge de investimentos da mineradora coincide com o período de auge da economia em geral, ficando bem acima das outras 72 indústrias selecionadas. “A Vale é dominante dentro do seu setor no país e um ator muito importante no cenário internacional. Em 2007-2008, com o boom das commodities, foi quando seus investimentos mais cresceram, mesmo em uma fase ruim para a economia global.”

O pesquisador chama de “aquisição líquida de ativo imobilizado” o acréscimo de investimento, descontadas as vendas de ativos fixos e a depreciação. Em grande parte dos demais setores, conforme o autor da tese, o indicador é negativo ou muito próximo de zero ao longo do período estudado.

“Houve mais investimento para modernização ou substituição de ativo produtivo do que, propriamente, acréscimo de capacidade produtiva capaz de gerar empregos. Mesmo no setor de alimentos e bebidas, que até 2005 foi o que mais investiu depois de Petrobras e Vale, o indicador é negativo de lá para cá, em que pese a grandeza de uma Ambev, empresa inclusive internacionalizada. No auge da economia com o governo Lula (2006-2008), poucos setores apresentaram indicadores positivos e, ainda assim, bastante tímidos.”

Loural acrescenta que há uma distância muito grande entre os outros setores industriais e Petrobrás e Vale – comparativamente, seria algo como um acréscimo de investimento de 5% dos primeiros contra 30% das duas empresas. “Podemos dizer que no Brasil, historicamente, as empresas nacionais investem pouco – os dados corroboram esta ideia corrente. Há anos em que a Vale também supera a soma de investimentos das demais que vêm abaixo. A conclusão é que Petrobras e Vale seguem lógicas diferentes e distorcem os dados obtidos ao se analisar simplesmente o investimento agregado do setor industrial.”

Uma última questão abordada por Marcelo Loural é o financiamento do investimento, que envolve grandes montantes de capital para um retorno futuro. “Muitas vezes é preciso recorrer a fontes externas de financiamento e o ideal é que esses empréstimos sejam de longo prazo, a fim de que a maturação do investimento ocorra. Daí a importância do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] nos anos 2000, embora nem todos os setores da indústria consigam utilizar os recursos do banco. Em grandes empresas que são ‘menores’, como no setor têxtil e de vestuário e calçados, uma das fontes de financiamento é o empréstimo de curto prazo, o que dificulta a realização de investimentos com longo tempo de maturação.”