Mariana (MG): Os vestígios de uma tragédia

Em vez de narrar uma história épica e grandiosa, Christian Cravo registrou a tragédia de Mariana (MG) através de detalhes, sutilezas e pequenezas que foram deixadas para trás.

Por Simonetta Persichetti*, no Brasileiros

Livro de fotografia, Mariana, Editora Apuena

A tragédia de Mariana deixou o protagonismo das páginas dos jornais e foi submersa pelas questões que rondam o impeachment da presidenta Dilma. Mas mesmo em meio a todo o descaso político e ético que tem tomado conta do Brasil recentemente, a cidade mineira não pode ser esquecida. Em seu novo livro, Mariana, o fotógrafo Christian Cravo registra os vestígios da tragédia ambiental, realizando um exercício contra o esquecimento.

Diversas das cidades atingidas pela ruptura da barragem da mineradora Samarco pertenciam ao circuito da Estrada Real, o que caracteriza o crime como patrimonial além de ecológico. Bastaram 11 minutos para ser destruída para sempre parte da nossa história, naquele 5 de novembro de 2015. “Não havia sirene de alerta. Eram 16h20 quando as barragens da Samarco se romperam e coube aos próprios moradores aterrorizados do distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, avisar uns aos outros que uma avalanche de lama se aproximava”, escreve o jornalista Patrick Brock, em um dos textos do livro. Naquele mesmo mês, Cravo viajou até a região atingida para ver de perto a tragédia. Ao contrário de narrar uma história épica e grandiosa, o olhar do fotógrafo mira os detalhes, as sutilezas que muitas vezes passam despercebidas pela maioria das pessoas.

São pequenas coisas, como a imagem de um santo que não conseguiu ajudar, janelas cerradas pelo barro, um rastro de uma pisada, um sapato esquecido, objetos que foram deixados para trás por quem de repente se viu despejado e jogado numa incerteza infinita coberta pela lama. Fotografar retratos borrados, enlamaçados, artigos pessoais manchados e casas destruídas foi a forma encontrada por Cravo para historiar o que essas vítimas viveram. A publicação do livro é, na visão do artista, “uma maneira de dizer aos que perderam entes queridos que a vida deles vale algo. Ela vale o esforço da memória e do luto de uma nação inteira”.
Diferentemente de todos os trabalhos até agora realizados, que sempre enfocam fé e religiosidade, desta vez Cravo tentou retratar o que o artista Bené Fonteles tão bem compreendeu ao olhar as imagens: “…memórias roubadas pela lama que apaga rastros e transforma as coisas em restos, rostos rotos, sombras tingidas de lama, qual uma grande instalação/tragédia do que era uma cidade e coração”. Esta história vista e narrada por Cravo está agora reunida no livro lançado no dia 11 de maio no Instituto Tomie Ohtake.

A obra é composta por 33 fotos, das quais o artista selecionou cinco imagens para serem impressas à parte, com a técnica Fine Art. A cada livro adquirido, é possível escolher uma delas. Todas as obras são numeradas e assinadas.