Mujica rompe com presidente da OEA, ex-chanceler do Uruguai

O ex-presidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica, divulgou o conteúdo de uma carta de rompimento enviada em novembro passado ao secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), Luis Almagro. A decisão foi tomada depois das polêmicas envolvendo o ex-chanceler do Uruguai que à frente do organismo internacional ameaçou invocar a Carta Democrática contra a Venezuela.

Mujica e Almagro - Reprodução/Efe

Sem meias palavras, Mujica se diz arrependido de ter apoiado Almagro pra ocupar o mais alto cargo da OEA. “Sabe que eu sempre te apoiei e te promovi. Sabe que claramente respaldei sua candidatura à OEA. Lamento que os fatos reiteradamente demostrem que eu estava equivocado”.

Em maio passado Almagro fez reiteradas críticas ao presidente Nicolás Maduro e ameaçou invocar a Carta Democrática da OEA contra a Venezuela. Os países membro consideraram a medida ingerencista e exagerada e o posicionamento do secretário-geral extremamente alinhado aos Estados Unidos.

Mujica acredita que não cabe à OEA julgar a Venezuela e sim apoiar o país para que desenvolve de forma soberana a fim de superar a crise pela qual está passando. “Pressão exterior só cria paranoia e isso não colabora com as condições internas desta sociedade”.

Para Mujica, o alinhamento de Almagro com os Estados Unidos é um “rumo irreversível” e por isso achou melhor romper relações políticas com seu ex-ministro. “Lamento o rumo pelo qual se meteu e sei que é irreversível, por isso agora formalmente, te digo adeus e me despeço”.

Leia a carta de Mujica na íntegra:

“Luis:

Sabe que eu sempre te apoiei e te promovi. Sabe que claramente respaldei sua candidatura à OEA. Lamento que os fatos reiteradamente demostrem que eu estava equivocado. Não posso compreender seu silêncio sobre [a situação] Haiti, Guatemala e Assunção [Paraguai], ao mesmo tempo em que publica uma carta resposta a Venezuela.

Entendo que sem dizer, me disse ‘adeus’.

Quando te pedi que não fosse à fronteira convulsionada da Venezuela e Colômbia, não era capricho e muito menos não querer ver a realidade. A minha preocupação não é como nos veem ou entende os meios de comunicação ou os políticos. Não, a linha da preocupação é como incidir algo em favor da grande maioria dos venezuelanos. É a mesma atitude assumida no conflito entre Estados Unidos e Cuba, ou com a paz da Colômbia. O central não é como nos veem, mas sobre ser útil ou não à maioria das pessoas. Penso que em algum momento terá que servir de ponte para que a Venezuela toda possa manejar com solvência sua autodeterminação e não deveríamos nos divorciar desse rumo. Todos sabemos que a Venezuela é uma reserva petroleira para os próximos 300 anos. Ali radica sua riqueza e sua desgraça, porque os Estados Unidos são dependentes de petróleo e seus interesses pressionam e muito. Também isso fez possível a deformação sociológica de viver da renda petroleira e terminar importando até o elementar, o grosso da comida.

A revolução bolivariana não pode escapar com voluntarismo dessa realidade ainda que tenha derramado recursos e reservas em favor dos eternos postergados. Foram muitos anos em favor da igualdade social. Não se conseguiu reverter a dependência do petróleo e das importações de alimentos, e com a queda dos preços, padece hoje um acúmulo de tensões que até turvam a democracia.

A Venezuela precisa de paz interior, quer dizer, convivência em primeiro e deveríamos trabalhar para isso. Precisa não reduzir a ideia de socialismo a estatização e precisa de NEP [Nova Política Econômica] para sua economia e seus desequilíbrios monetários. Isso parece imprescindível para viabilizar distribuição, estabilidade e democracia.

A Venezuela precisa de nós como operários e não como juízes, a pressão exterior só cria paranoia e isso não colabora para com as condições internas desta sociedade.

Repito: a verdadeira solidariedade é contribuir para que os venezuelanos possam se autodeterminar, respeitando suas diferenças, mas isso implica um clima que o possibilite.

É muito difícil hoje, mas qualquer outra alternativa pode ter fins trágicos para a democracia real.

Lamento o rumo pelo qual se meteu e sei que é irreversível, por isso agora formalmente, te digo adeus e me despeço.

Pepe”.