O Ano Vermelho – um clássico insuperável

A comemoração dos 50 anos da Revolução Russa de 1917 foi marcada, no Brasil, pelo lançamento deste livro notável, que rapidamente se tornou um clássico fundamental da história dos comunistas no Brasil,  O Ano Vermelho – A Revolução Russa e seus Reflexos no Brasil, de autoria de Moniz Bandeira, Clóvis Melo e A. T. Andrade.

Por Walter Sorrentino*

O Ano Vermelho - Moniz Bandeira - Reprodução

Homenagear Moniz Bandeira pelos seus 80 anos é uma feliz iniciativa da União Brasileira dos Escritores, como foi a de sua indicação ao Prêmio Nobel em 2015.

Homenagem a um incrível produtor de obras que se tornaram clássicas, modernas e perenes assim que vieram à luz. Tanto que O Ano Vermelho se tornou obra inexcedível até hoje, quase às vésperas de comemorarmos 100 anos da Revolução Soviética e 95 anos de fundação do Partido Comunista do Brasil.

Assinalo a importância deste livro, escrito em condições difíceis de clandestinidade do autor, em tempo exíguo e com dificuldades de acesso às fontes, mas ainda com o rigor científico necessário a um empreendimento para reconstruir uma época histórica tão importante. Fez-se assim merecedor de prefácio elogioso do comunista Nelson Werneck Sodré.

O livro faz um amplo levantamento dos reflexos da Revolução de 1917 em nosso país, entre os quais o mais perene foi a fundação do Partido Comunista do Brasil em 1922. Incorpora textos importantes, até então de difícil acesso, escritos no calor dos acontecimentos por Astrojildo Pereira (que foi, em 1922, o principal fundador do Partido Comunista do Brasil), Lima Barreto, Edgard Leuenroth entre outros líderes precursores do movimento operário e revolucionário no Brasil.

Uma grande riqueza documental e informativa é apresentada ao lado de análises rigorosamente centradas nos fatos, e não na mera interpretação dos autores. Não se detém apenas nos aspectos políticos e organizativos dos reflexos da Revolução de 1917 em nosso pais, mas envolve os antecedentes nacionais e mundiais, bem como as repercussões sociais e culturais que ajudam a entender a formação do Partido Comunista do Brasil e, por extensão, a luta das classes oprimidas no país e o panorama social e intelectual da época.

É uma análise lúcida, comprometida e generosa com aqueles acontecimentos que gravaram a história da sociedade mundial, sem perder o rigor analítico e sem deixar de ser literariamente estimulante.

Ela contextualiza os fatos históricos brasileiros desde os alvores dos artesãos livres e artífices, nos tempos de João VI, e antes ainda, na Inconfidência Baiana de 1798, até chegar aos anarquistas, matriz da formação do comunismo no Brasil. Igualmente, contextualiza a realidade russa e seu intercâmbio com o Brasil, desde os tempos do Barão Von Langsdorff, sendo que a Rússia reconheceu a independência brasileira em 1825.

A influência da literatura russa é evidenciada na formação de Machado de Assis, Graciliano Ramos e Jorge Amado. Até que a Rússia e a revolução de março e novembro de 1917 explodiram no Brasil.

Páginas memoráveis do livro são aquelas sobre o papel da imprensa brasileira, seu facciosismo, mistificação e servilidade, denunciadas desde os primeiros tempos por Astrojildo Pereira.

Astrojildo que é lembrado como um moço que bate às portas da casa de Machado de Assis, então doente e às vésperas da morte, assistido por Euclides da Cunha. O moço, que pede para ver Machado, põe-se à beira do leito segurando sua mão sem nada dizer e sai sem dar seu nome. Depois se tornaria um especialista na obra do mestre Machado e fundador do PC do Brasil.

Deliciosas são as ironias sobre o papel de Lênin – “o perigoso espião alemão”, como era demonizado na imprensa ocidental – e o herói Kerenski – “o jogador de damas provincianos em meio a enxadristas profissionais”.

Quanto ao movimento operário e as importantes greves de julho de 1917, dirigidos majoritariamente pelos anarquistas, ele provoca: “Que fazer? Eles não sabiam”. Sabiam-no os comunistas, que no Brasil se formaram diretamente do anarquismo sem passar pela socialdemocracia. Os anarquistas prepararam a terra em que os acontecimentos do 7 de novembro depois semearam. Daí que, sem dúvida, os comunistas foram tributários das concepções tipicamente libertárias de ressonância russa, como a própria ideia de um partido, o nome e os termos de suas proclamações.

Os 80 anos de Moniz Bandeira e sua obra profícua são celebrados hoje. Celebração ao escritor sensível, dedicado à história, política, geopolítica e, como não podia deixar de ser, à poesia, atento às contradições do mundo contemporâneo e seu reflexo no Brasil, cuja obra que traz, indelével, a marca da denúncia da ação do imperialismo norte-americano, sobretudo no Brasil.

Com O Ano Vermelho, Moniz e nós celebramos a história de luta dos trabalhadores brasileiros pela democracia, por um projeto nacional autônomo e anti-imperialista. O PC do Brasil, cuja fundação é retratada nesta obra, tem também outra lembrança de Moniz Bandeira: foi ele quem sugeriu, em 1963, o uso da sigla PCdoB para designar o Partido Comunista do Brasil dissociado do Partido Comunista Brasileiro, nos duros embates daquela hora histórica irrepetível dos anos 50 e início dos 60, em todo o mundo.

Moniz Bandeira ocupa um lugar destacado na vida de minha geração, armando-nos frente aos acontecimentos tormentosos de todo o século 20, abrindo perspectivas para os dias atuais. Ele e sua obra nos dão exemplo de coerência, comprometimento com a nação, o povo brasileiro e a humanidade.

Vida longa, mestre Moniz Bandeira.

Walter Sorrentino é médico e vice-presidente nacional do PCdoB