Lu Castro: Mulher em campo é um ato político

Ou como o doutor Sócrates permeou meu sentido de justiça e igualdade

Por Lu Castro*

Cartaz de inauguração do campo Sócrates

Neste sábado (11), tive a honra de participar da mesa de bate papo no evento de lançamento da campanha para a construção do campo Dr. Sócrates Brasileiro, na Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST.

O evento, que também contou com a participação da equipe de futebol dos Autônomos F.C., teve a apresentação do projeto de construção desenvolvido pela FAU/USP – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

O convite para participação foi auspicioso por dois motivos: Dr. Sócrates é meu ídolo. Só quem o viu em campo e fora dele, entende o que ele significou no processo de redemocratização do país. Para tê-lo como ídolo – quando ele nem está associado ao seu time de coração – basta ter um mínimo de senso de justiça, igualdade, desejo de vida melhor para todos e coletivo. Sem contar a classe e a categoria com que o Doutor jogava! Emblemático como servia os companheiros, fazia gol e comemorava. Nenhum outro gesto de comemoração é tão carregado de força!

Que “embala nenê” o que? O punho cerrado é sinal de luta e resistência pelo que é certo!

Doutor já me representava no íntimo. Enquanto eu entrava na adolescência e não manjava muito dos ‘paranauê’ de todo o processo da ditadura, só tinha a certeza de que estava ali um sujeito que falava coisas que meu coração e meu espírito entendiam muito bem, embora não conseguisse verbalizar.

E com a bola? Vixi! De-bu-lha-va! Lembro até hoje de um jogo contra o Tiradentes do Piauí (10 a 1 para o Corinthians) em que a cobrança de pênalti dele me chamou a atenção.

Veja no vídeo:


Portanto, nada poderia me deixar mais feliz e emocionada do que estar à mesa de um coletivo que está lançando uma campanha para construir seu campo de futebol com o nome do meu ídolo Dr. Sócrates Brasileiro.

Naquele mesmo momento, meu interesse por futebol só crescia. Cresci com futebol, acompanhando meu pai nos jogos de salão ou várzea, ganhando camisas do Tricolor, ouvindo os programas esportivos do rádio com minha mãe e indo ao estádio em alguns Majestosos, sobretudo.

E claro, todo este meu interesse destoava muito do ideal de “menina”. Só que não nasci para realizar o ideal de ninguém e opressão nunca funcionou comigo.

Águas passaram, filhas vieram, trabalhos para sobrevivência rolaram e só depois de tudo isso, pude então me dedicar ao futebol da única maneira que eu poderia fazer melhor: escrevendo.

E onde estavam na mídia, as mulheres do futebol? Raras na TV, quase nenhuma nas rádios, e nas redações, menos ainda. Nos campos, várias e habilidosas, craques mesmo, mas nunca comentadas na imprensa esportiva.

Quando resolvi que passara da hora de dar espaço e visibilidade para as mulheres que jogam futebol, caiu a ficha de que este era um ato político e que precisaria de muita força para suplantar os obstáculos, as ofensas, os ataques covardes de homens que se esconderam atrás de uma tela de computador para tentar me imputar todos os adjetivos desqualificatórios possíveis. Se este tipo de atitude me abalava de bate-pronto, também não perdurava a tristeza, que logo se transformava em gás pra seguir na lida.

E assim seguimos, mulheres dos campos e das quadras, dos microfones, câmeras ou das letras e que amamos futebol. Ainda que muitas não tenham sacado, o que fazemos é um ato político. E o Doutor nos mostrou, com toda sua elegância e inteligência, que uma coisa não anda separada da outra.

E foi no sábado, na Escola Nacional Florestan Fernandes, para prestigiar o lançamento da campanha para construção do campo Dr. Sócrates Brasileiro, que Magrão me tocou mais uma vez: futebol – feminino –, política, resistência, luta por direitos iguais, justiça…

Escolhi o lado certo da história.

E por sua causa, Doutor!