“Governo Temer não tem programa econômico, só discurso ideológico”

A poucos dias de completar um mês, o governo provisório de Michel Temer ainda não deixou clara sua proposta para a economia – embora tenha ficado cristalina a orientação de promover cortes que afetam o trabalhador, mas poupam os detentores de riquezas e seus aliados. Para o economista Guilherme Delgado, a gestão Temer não tem um programa econômico para o país, mas apenas um discurso ideológico.

Temer

“O programa econômico do PMDB, que o governo supostamente devia executar, não é um programa econômico, é um discurso ideológico, um discurso totalmente para finalidades de derrubar um governo, mas que, para governar, não funciona. Falta um programa econômico”, opinou.

De acordo com ele, a ideia de promover um “ajuste estrutural – cortar, cortar, cortar sem critérios e sem finalidade de resolver os problemas da recessão e do desemprego” – não funciona para o enfrentamento da crise.

Delgado se disse “muito perplexo” com o fato de “um governo desse tipo” acreditar em “discurso ideológico”. E fez um paralelo com uma frase atribuída ao general Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro presidente da ditadura militar.

“O general Castelo Branco dizia: baionetas são muito importantes para derrubar um governo, mas ninguém vai se assentar em cima de baionetas para governar. A mesma coisa vale para o discurso ideológico, que pode ser muito importante para derrubar um governo, mas assentar um programa econômico em cima dele não tem o menor sentido, não dá em nada, vira um efeito reverso”, opinou.

Questionado sobre o projeto de Temer de impor um teto para o crescimento do gasto público, o economista disse que gostaria muito de ler a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), uma vez que o que foi dito verbalmente não lhe parece "razoável".

No dia 24 de maio, o governo anunciou a decisão de limitar o crescimento dos gastos, que só poderia subir no máximo o percentual equivalente à inflação do ano anterior, de forma que não haveria aumento real mesmo em áreas como Saúde e Educação.

“Mais de dez dias se passaram e [a medida] não foi efetivada. Ficou uma expressão verbal, sem conteúdo. Na verdade, é uma medida completamente estranha do ponto de vista orçamentário, ainda mais para ser colocada da Constituição. Porque o que a Constituição tem são pisos de aplicação em Saúde e Educação. Quando você coloca um teto, você dá uma outra conotação. É você dizer que não pode jamais, em tempo algum, aplicar recursos em Saúde, Educação acima da inflação do ano anterior. Isso aí não tem nenhum sentido”, avaliou.

O economista defendeu a importância de poder ampliar verbas na área da Saúde, citando como exemplo a necessidade de controlar eventuais epidemias.

“Imagine uma situação como temos na Saúde, em que todo ano tem que fazer campanhas de vacinação amplas, porque os vírus portados pelo aedes aegypti são mutantes e você tem que fazer as vacinas novas e tal. Imagine ter esses processos de epidemia e ter uma proibição constitucional de gastar mais do que a inflação do ano anterior. Isso criam uma situação absurda, porque você não pode deixar de atender uma situação dessa natureza”, exemplificou.

“A mesma coisa com a Educação. Como atender aos investimentos em Educação com uma limitação constitucional dessa natureza?”, completou.

A mídia noticiou nesta sexta (10) que o presidente Michel Temer deverá apresentar a PEC pessoalmente no Congresso na próxima semana. Notícias dão conta de que ele pode recuar e decidir estabelecer um período de tempo para a medida vigorar, bem como excluir os gastos com Saúde e Educação da iniciativa.

“Acho a ideia [de impor um teto para os gastos] tão absurda que nem consigo entender como se vai trabalhar, do ponto de vista objetivo, com um limite desse. Talvez a própria ideia de fixar um prazo seja porque não há sentido em colocar isso na Constituição de forma permanente. Gostaria até de ver escrita essa emenda. Porque o que está dito verbalmente não consigo entender como razoável”, colocou.