Censura no MinC – mais um “tiro no pé”

Esquecendo o elementar da diplomacia e da política, Calero protagoniza inadmissível tentativa de censura na Cultura.

Por Alexandre Weffort*

Sonia Braga - AFP

Numa primeira reação à falta de habilidade política revelada por Temer no modo como o presidente interino tratou a questão da Cultura (ver Acabar com o MinC – um “tiro no pé” .1), dissemos: “Temer entregou as duas áreas mais sensíveis da governação, no que respeita à relação direta com as camadas intelectuais e artísticas, a personagem sem currículo e mérito consolidado em qualquer delas, a Cultura e a Educação….”. O personagem era Mendonça Filho, que prontamente foi aliviado da Cultura, após vigoroso fracasso na primeira apresentação aos servidores do então extinto MinC.

Era, obviamente, presente envenenado que Temer havia dado ao seu aliado de circunstância golpista do DEM. A cultura é uma das áreas mais exigentes em termos políticos: “Exigem capacidade de planificação a longuíssimo prazo, capacidade de entendimento da diversidade, da diferença, da sensibilidade e da atenção sutil”. O resultado está à vista. Instalações ocupadas, mobilização constante de artistas e públicos contra o golpe. Em suma, como foi definido de forma exemplar por Guilherme Weber no Jô, “… ultimamente, Fora Temer!”.

Com a rapidíssima revisão ao erro crasso cometido (acabar com o MinC, transformando o ministério em secretaria e atribuindo-a a alguém que, no currículo, tinha como trabalho mais próximo textos sobre avicultura e agricultura), a pasta da Cultura é entregue a um jovem com formação em direito e vínculo ao Itamaraty, e também, passagem pela secretaria da Cultura de RJ. A sorte bafejou-o e, com a recriação do MinC, foi promovido a ministro da Cultura!

Numa nova abordagem ao tema (ver Ameaças, chantagem, divisão – o canto da sucuri na Educação e na Cultura .2), com o MinC já entregue a Marcelo Calero, tivemos em consideração a “imagem aparentemente positiva, apresentada pelo ministro interino da Cultura”. Todavia, acrescentamos que “na lógica política global do governo, conjugada com o contexto parlamentar golpista, essa diferença pouco conta. É, aliás, sutilmente enganadora – como o canto da sucuri das crenças indígenas brasileiras”.

Tínhamos em vista as palavras do jovem ministro, que pretendia poder contrapor-se aos parlamentares da direita que subscreveram a proposta de CPI ao Pronac. E, na sequência, comentamos a sua habilidade diplomática, sem esquecer, contudo, que a “habilidade diplomática não substitui a força coletiva”, porque foi, aliás, “a força coletiva que impôs ao governo interino a necessidade desse recurso diplomático”.

A carreira do ministro interino da Cultura começa no setor privado “até assumir, em 2005, seu primeiro cargo público na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), onde teve início sua carreira no setor público (…). Em 2006, passou em concurso para a Petrobras. No ano seguinte, foi aprovado no concurso de admissão à carreira diplomática” (dados da biografia de Marcelo Calero publicada no site do MinC .3); retemos apenas como curiosidade a referência à Petrobras, empresa de importância fundamental na economia e na história brasileira, com forte correlação com a atual crise política e os esquemas de corrupção.

O mais recente episódio do ministro Calero, em atitude censória que o levou a receber adequado corretivo de Sônia Braga, mostrou que havíamos incorrido em erro ao considerar relevante a "habilidade diplomática"  do jovem ministro. Afinal, o seu percurso como diplomata é ainda breve. Esperamos que seja também breve o seu percurso enquanto ministro da Cultura ou que, aceitando a "aula de história" oferecida por Sônia Braga, supere as suas inaceitáveis limitações para o exercício do cargo.

Em Portugal, de onde escrevo, Sônia Braga conquistou a população com Gabriela, Cravo e Canela, novela baseada no romance homônimo de Jorge Amado. Em 1977, o visionamento coletivo da novela desencadeou uma verdadeira revolução cultural (4), parava o país, sendo algo ainda hoje recordado com carinho por todos.

Embora Calero não fosse à altura nascido, ao assumir o cargo de ministro da Cultura, deveria ter-se assessorado melhor, de forma a não cometer tal deslize. Faltou mesmo sensibilidade diplomática. E o episódio protagonizado pelo jovem ministro, agora candidato a censor, teve impacto mais negativo para a imagem do Brasil no exterior que os protestos por ele referidos.

Alexandre Weffort, residente em Portugal, é professor, mestre em Ciência das Religiões e doutorando em Comunicação e Cultura

Notas:

1 http://www.resistencia.cc/acabar-com-o-minc-o-primeiro-tiro-no-pe/

2 http://www.resistencia.cc/ameacas-chantagem-divisao-o-canto-da-sucuri-na-educacao-e-na-cultura/

3 http://www.cultura.gov.br/o-ministro

4 http://bocc.ubi.pt/pag/cunha-isabel-ferin-revolucao-gabriela.html