Cantigas de acordar mulher

O poeta comunista Geir Campos é um desses raros que consegue unir o esmero artístico e literário com a expressão de um agudo conteúdo artístico de fundo político e social. Do ponto de vista formal, colocou sua arte a serviço da luta democrática e social, e foi autor destas magníficas Cantigas de Acordar Mulher, publicadas em 1964.

Manifestação feminista - Mídia Ninja

 Em 1962, ele foi um dos organizadores, juntamente com outro poeta, Moacyr Félix, dos Cadernos do Povo Brasileiro, Violão de Rua, publicados pelo Centro Popular de Cultura (CPC) da Une juntamente com a editora Civilização Brasileira. Suas Cantigas de Acordar Mulher – na verdade oito poemas – mantém, passado meio século, toda atualidade poética, política e social, sendo uma veemente condenação da opressão, uma exaltação da igualdade e da liberdade da mulher.

Prosa Poesia e Arte selecionou algumas delas:

4ª cantiga de acordar mulher

Bom é sorrires, olhar
em mim: não vês
o inimigo, o rival
jamais.
Na caça, não serás
a presa; não serás,
no jogo, a prenda.
Partilharemos, sem meias
medidas,
a espera, o arroubo, o gesto,
o salto, o pouso e o sono
e o gosto desse rir
dentro e fora do tempo
sempre que nova
……………………….mente
Acordares

7ª Cantiga de acordar mulher

Se te chamarem flor
toma cuidado:
vê se não é gente que te quer por
numa redoma – lindo objeto – a vegetar
alheia a tempo e lugar!

Se te chamarem flor,
acorda e toma cuidado:
olha que te levam para o mesmo lado
de tanto destino mal-aventurado!

8ª Cantiga de acordar mulher

Vozes da esquerda, surdas,
e vozes da direita, afinadíssimas,
hão de louvar-te a arte
de ser mulher:
mansa como uma ovelha,
jeitosa como uma gata de luxo,
dócil e generosa como uma árvore
a se multiplicar em sombra e frutos,
como uma estátua impassível,
hábil de acordo com as conveniências,
e acima disso
crente em ser esse o teu ideal de vida…
Acorda: pois foi essa
a sorte que escolheste?

9ª cantiga de acordar mulher

Um dia te acharás
sem inteirar a casa:
ouvirás o marido ressonando,
os filhos dormindo em calma…
O espelho te acenará,
te lembrará coisas da mocidade,
coisas da meninice,
te mostrará vindas algumas rugas;
contemplarás o espelho,
o quarto, a casa;
perguntarás por ti mesma,
pelo teu próprio destino
— e o espelho fará silêncio:
será o sinal de estares acordando.