Raduan Nassar é o vencedor do Prêmio Camões

Nassar é o 28º autor premiado e o 12º brasileiro a receber aquele que é considerado o mais importante prémio literário destinado a autores de língua portuguesa.

Raduan Nassar

O Prêmio Camões 2016 foi, nesta segunda-feira (30),  atribuído por unanimidade ao escritor Raduan Nassar, de 80 anos, o 12.º brasileiro a receber aquele que é considerado o mais importante prêmio literário destinado a autores de língua portuguesa. O júri sublinhou "a extraordinária qualidade da sua linguagem" e a "força poética da sua prosa".

"Através da ficção, o autor revela, no universo da sua obra, a complexidade das relações humanas em planos dificilmente acessíveis a outros modos do discurso", diz a justificação do júri, acrescentando que "muitas vezes essa revelação é agreste e incômoda, e não é raro que aborde temas considerados tabu". O júri realça ainda "o uso rigoroso de uma linguagem cuja plasticidade se imprime em diferentes registos discursivos verificáveis numa obra que privilegia a densidade acima da extensão".

Com apenas três livros publicados – os romances Lavoura Arcaica (1975) e Um Copo de Cólera (1978) e o livro de contos Menina a Caminho (1994) –, a exiguidade da obra não impede que Raduan Nassar seja há muito considerado pela crítica um dos grandes nomes da literatura brasileira, ao nível de um Guimarães Rosa ou de uma Clarice Lispector.

Se a singularidade de Nassar lhe garantiu desde cedo um círculo de admiradores fiéis, e se os seus romances alcançaram algum sucesso internacional já na primeira metade dos anos 80, quando foram traduzidos para francês e inglês, a popularidade da sua obra aumentou significativamente com a adaptação cinematográfica de Um Copo de Cólera, em 1999, numa realização de Aluizio Abranches, e de Lavoura Arcaica, em 2001, num filme de Luiz Fernando Carvalho.

Já este ano, Raduar Nassar foi um dos 13 escritores escolhidos para a longlist do MAN Booker International Prize, com a tradução inglesa de Um Copo de Cólera, mas não chegou à lista de seis finalistas, que incluiu o angolano José Eduardo Agualusa.

Em Portugal, Raduan Nassar só começou a ser publicado em 1998, quando Um Copo de Cólera saiu na Relógio D'Água, que logo no ano seguinte editou também Lavoura Arcaica. No ano 2000, a Cotovia publicou Menina a Caminho e outros Contos.

Mas se a sua obra só chegou no final dos anos 90, o escritor visitou Portugal pouco após o 25 de Abril. Almeida Faria contou a história em 2014, na Festa Literária Internacional de Paraty. Corria o conturbado ano de 1975, quando o romancista português ouviu tocar a campainha da sua casa de Lisboa. À porta estava um jovem casal desconhecido. Perguntaram se podiam entrar e ele apresentou-se como escritor brasileiro. Trazia na mão um livro, Lavoura Arcaica, e disse ao escritor português: “Este meu livro saiu agora no Brasil, e como eu acho que ele deve muito ao seu livro A Paixão, eu quis vir oferecer-lhe o livro pessoalmente”. Faria e Nassar tornaram-se amigos desde então.

Dimensão política

Nassar é conhecido pela extrema raridade das suas aparições públicas, o que veio conferir um peso particular à sua presença, junto de Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto, em Brasília, a 31 de março, no âmbito de um Encontro com Artistas e Intelectuais em Defesa da Democracia. "Os que tentam promover a saída de Dilma arrogam-se hoje, sem pudor, como detentores da ética mas serão execrados amanhã", afirmou então o escritor, citado pela Folha de S. Paulo. Embora o reconhecimento da qualidade do autor seja francamente consensual, esta sua recente intervenção vem também dar à sua escolha para o prêmio Camões deste ano uma inevitável dimensão política.

Com um valor pecuniário de cem mil euros, o prêmio foi anunciado ao fim da tarde no Hotel Tivoli pelo secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado, após a reunião do júri, que este ano incluiu a professora e ensaísta Paula Morão e o poeta e colunista Pedro Mexia, os professores universitários, críticos e escritores brasileiros Flora Süssekind e Sérgio Alcides do Amaral, e ainda o autor moçambicano Lourenço do Rosário, reitor da Universidade Politécnica de Maputo, e a ensaísta são-tomense Inocência Mata, atualmente radicada em Macau.

Instituído em 1988 pelos governos de Portugal e do Brasil, o prêmio Camões é atribuído a “um autor de língua portuguesa que tenha contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural da língua comum”, diz o respectivo protocolo, na sua versão revista de 1999. O acordo obriga a que o prêmio seja alternadamente atribuído em território português e brasileiro, e a sua história sugere que tem também prevalecido a intenção de equilibrar o número de vencedores portugueses e brasileiros, bem como a preocupação de fazer representar as várias literaturas africanas.