Golpe, mordaça, estupro: farinhas do mesmo saco

Neste momento de profunda dor, no qual todas nós nos sentimos estupradas por mais de 30 homens no Rio de Janeiro, minha indignação aumenta a cada instante, já que a cultura do estupro se aprende em todos os lugares nesta sociedade patriarcal, machista, misógina, racista, lesbofóbica, transfóbica e homofóbica. A cultura do estupro também se aprende na escola.

Por Silvana Conti*

Mordaça

Um estupro acontece a cada 11 minutos no Brasil, de acordo com o 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, cujos dados mais recentes são de 2014. Há um ano da atrocidade registrada em Castelo do Piauí (PI), quando quatro adolescentes foram vítimas de um estupro coletivo e atiradas de um penhasco, um caso parecido voltou a acontecer no estado. No mesmo dia em que a jovem da Zona Oeste do Rio foi violentada sexualmente por trinta e três homens, quatro adolescentes e um homem de 18 anos estupraram uma jovem de 17 anos em Bom Jesus (PI) – cidade de 22.000 habitantes que fica a 644 quilômetros da capital, Teresina.

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 67% dos casos de violência contra a mulher são cometidos por parentes próximos ou conhecidos da família; 70% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes e apenas 10% dos estupros são notificados. A esmagadora maioria dos agressores não é punida. O que mostra a face mais cruel de uma cultura misógina, patriarcal, que desmerece, transforma em mercadoria e violenta as mulheres diariamente no Brasil.

O afastamento da presidenta Dilma, que significa um golpe nas liberdades democráticas, um golpe na nossa jovem democracia e sem dúvida um golpe em cada mulher e cada homem que legitimamente votaram na primeira mulher presidenta do Brasil, que por ser mulher sofreu todos os tipos de ataques e violências da imprensa golpista, de setores do Judiciário, de setores da Polícia Federal e da ala conservadora do Congresso Nacional que perdeu nas urnas e de maneira sorrateira e ilegítima desencadeou o golpe no Brasil. Repudiamos os ataques que a presidenta da República sofreu, que a atingiram principalmente na sua condição de mulher. Charges, memes, hashtags pornográficas, adesivos alusivos ao estupro da presidenta, reportagens de jornais e revistas traduzem o duro viés do discurso misógino, fundado no patriarcalismo estrutural, que existe na sociedade. Tudo é feito para incapacitar, para desconstruir a imagem de Dilma, enquanto gestora e mulher, aos olhos do povo, o que agride não só a ela, mas a todas as mulheres.

O projeto “Ponte para o atraso”, representado pela bancada BBB (Boi,Bala,Bíblia) e liderado por Temer e seu “machisterio”, significa retrocedermos nos direitos da classe trabalhadora – RASGAR A CLT – significa a criminalização dos movimentos sociais, perdermos os recurso do pré-sal, o aumento das privatizações, o fim dos programas sociais, a retirada dos direitos das mulheres, potencializando cada vez mais a agenda conservadora que vem sendo imposta pelo conjunto de valores que ganham muita força com este governo interino que representa e fortalece o patriarcado, a misoginia, o feminicídio, a cultura do estupro e a violência contra as mulheres: negras, lésbicas, bissexuais, transexuais, prostitutas, ciganas, deficientes, enfim, todas as mulheres com suas diversidades e especificidades.

Lei da Mordaça e “ideologia de gênero” na educação – mais uma tramoia golpista

Não foi por acaso que de norte a sul do Brasil travamos uma cruzada com a pauta “ideologia de gênero” no Plano Nacional de Educação e nos planos estaduais e municipais na maioria dos estados brasileiros. Os fundamentalistas, conservadores e que defendem a tradição /família e a propriedade botaram em campo seus exércitos, suas igrejas, que em sua maioria orientaram a Câmara Federal, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais que seria muito perigoso trabalhar com as relações de gênero na educação. Denominaram como uma pauta obscura.

Na concepção patriarcal, a educação precisa manter as mulheres resignadas, dominadas, dóceis, nos espaços privados, fora dos espaços de poder e por consequência fora da política. Consideram que trabalhar gênero na educação coloca em risco a sexualidade dos meninos e das meninas. Que estes temas fazem mal às crianças e adolescentes, e consideram que trabalhar as relações de gênero pode induzir as pessoas a serem lésbicas, gays e transexuais.

A face do conservadorismo da direita golpista onde joga todo o seu moralismo e atraso numa vala comum afirmando que queremos acabar com a família. Escancaram sua lesbofobia, bifobia, transfobia e homofobia, mentindo e criando uma falsa polêmica sobre uma ideologia de gênero inventada por eles. A retirada do gênero dos Planos Municipais, Estaduais e Nacional de Educação, faz parte da pauta conservadora em curso, que também se relaciona com a tramitação do Estatuto da Família que nega o direito à proteção do Estado às famílias LGBT e todas as outras famílias que fogem do padrão patriarcal e heteronormativo.

Negar para crianças e adolescentes o trabalho com as relações de classe, gênero, raça/etnia, orientação sexual e identidade de gênero e sem dúvida amordaçar, silenciar e reproduzir a cultura do estupro, fortalecendo o sistema machista da sociedade em que vivemos.

Neste cenário grotesco onde golpista vira presidente sem voto do povo, um estuprador confesso visita o ministro da Educação. Alexandre Frota é mais um dos golpistas, que apoia Temer. Este bandido truculento foi visitar o Mendonça Filho do DEM, mais um dos provisórios que dão atestado de retrocesso e perigo para as políticas públicas que conquistamos com tanta luta nos últimos 13 anos. Frota é mais um bandido solto que cometeu estupro, e defende ardorosamente o projeto escola sem partido. Infelizmente isso não é coincidência. SÃO TODOS FARINHA DO MESMO SACO.

Mais uma ação coordenada e orquestrada pela turma que tem ódio de classe. Agora em diversos estados do Brasil querem criminalizar as professoras e professores. Projetos de lei espalhados desde o Distrito Federal pelo deputado Feral Izalci (PSDB), Erivelto Santana (PSC/BA) e Rogerio Marinho (PSDB/RN). Projetos que querem nos amordaçar, exigindo “neutralidade”, censurando e regulando a atuação dos e das docentes dentro da sala de aula.

Este projeto de lei também foi colocado na pauta da Assembleia Legislativa do RS e em mais oito estados. O deputado estadual Van Hatten (PP) também propôs um PL que tem como base um retrocesso absurdo que faz lembrar os períodos da ditadura civil e militar.

Os projetos de lei apresentados nos diversos estados são pautados pelas ideias da Associação Escola sem Partido. O advogado líder deste movimento, Miguel Nagib, apresenta a proposta como um movimento das famílias e dos estudantes. O PL busca legislar defendendo os limites da liberdade de expressão dos(as) professores(as). Além da mordaça, propõe a censura nos livros didáticos e nos planos educacionais. Além de tudo isso ainda afirma que professor(a) não é educador(a). Seria um mero transmissor(a).

Na Câmara Municipal de Porto Alegre, no dia 25 de maio, o vereador Valter Nagelstein (PMDB) propôs o PL 124/2016 estabelecendo a política de escola sem partido. Este vereador, que não por coincidência é do mesmo partido de Temer-Eduardo Cunha-Sartori, acusa professoras e professores de serem militantes políticos travestidos, que considera um crime a natureza sagrada de ser professor(a) e que esta lei é importante pois ataca a doutrina marxista.

Este projeto significa uma “caça às bruxas”, ameaçando a liberdade de expressão e isto pode significar um retrocesso em relação aos direitos constitucionais.

Estas ações coordenadas da direita golpista servem para tentar nos calar, nos intimidar, nos criminalizar. Também pretendem jogar a comunidade escolar contra nós, nos tornando um alvo vulnerável.

Este PL da mordaça na educação fere a liberdade de cátedra. O professor de Direito Constitucional da Fundação do Ministério Público e da UFRGS Eduardo Carrion faz referência ao “artigo 5 da Constituição Federal que enfatiza a denominada liberdade de cátedra, onde o ensino não pode ser objeto de impedimento sob pena de não haver processo civilizatório”. Além disso, apontou capítulo exclusivo sobre educação na Constituição, “o artigo 205 é explícito referente ao direito à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar pensamento”.

Os defensores da escola sem partido afirmam que os projetos de lei são criados para fazer oposição a pedagogia do nosso querido e saudoso Paulo Freire: A PEDAGOGIA DA LIBERTAÇÃO! A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO! A PEDAGOGIA DA ESPERANÇA! A educação com e para a classe trabalhadora.

Nesta conjuntura que considero a antessala da barbárie, não podemos perder a esperança, temos que seguir a luta. Somos professoras e professores e não podemos permitir nenhum retrocesso em nossos direitos. Precisamos nos fortalecer, debater, construir alternativas coletivas e urgentes para que sejamos valorizadas, tenhamos condições dignas de trabalho, tenhamos segurança nas escolas, e possibilidades reais de trabalharmos com competência, dignidade e prazer de ensinar.

Finalizo afirmando que como Paulo Freire continuarei defendendo a educação pública, laica, de qualidade social, que garanta o acesso e a permanência a todas e todos independente da sua classe social, origem, raça/etnia, deficiências, orientação sexual, identidade de gênero e toda e qualquer diversidade e especificidade.

Não vão nos calar! Paulo Freire permanece entre nós com suas sábias palavras:

“Quando eu me pergunto, por exemplo, a favor de quem eu conheço contra quem eu conheço, e, portanto, a favor de quem e contra quem eu trabalho em educação, eu estou, obviamente, no campo político. Eu preciso explicitar, são perguntas que eu não posso deixar entre parênteses, e elas todas têm que ver com meu sonho como educador. O meu sonho não é só pedagógico, ele é substantivamente político e adjetivamente pedagógico. É impossível admitir que a educação seja um que fazer neutro ou tecnicamente neutro, precisamente porque a educação se apresenta à luz das perguntas radicadas na própria prática, e não nos livros(…).”

Não ao golpe! Segue a luta! Golpe, mordaça e estupro FARINHAS DO MESMO SACO.